2º domingo do Advento

Deus multiplica as promessas de felicidade e alegria para com seu povo. Alegria que fica
ainda maior depois de o povo ter vivido um tempo de «tristezas e misérias». Israel conheceu as lágrimas do exílio, mas Deus encarregou-se de conduzi-lo de volta «com alegria […] manifestando misericórdia e justiça». As leituras deste domingo convocam-nos à ação: Cristo hoje vem! Se nos deixamos alistar e nos dediquemos a preparar o caminho do Senhor, Deus virá ao coração dos nossos contemporâneos.

Textos deste Domingo:
1ª leitura: «Deus mostrará teu esplendor, ó Jerusalém» (Baruc 5,1-9).
Salmo: Sl.125(126) – R/ Maravilhas fez conosco o Senhor, exultemos de alegria!
2ª leitura: «Aquele que começou em vós uma boa obra há de levá-la à perfeição até o dia de Cristo Jesus»
(Filipenses 1,4-6.8-11).
Evangelho: «Todas as pessoas verão a salvação de Deus» (Lucas 3,1-6).

Montanhas, vales e veredas tortuosas
Estas imagens, da 1ª leitura e do evangelho, evocam os obstáculos do caminho. Quais
obstáculos? Primeiro estes das comunidades humanas, constituídas em uns poucos que
dominam e muitos que são dominados. São lugares, portanto, de muita violência. Veredas
tortuosas evocam, sobretudo, as nossas artimanhas e duplicidades. E isto tudo exige
retificação, o que o evangelho chama de “conversão para o perdão dos pecados”. Esta
abolição dos pecados será obra de Cristo, mas só poderá nos contemplar se nos voltarmos
para Ele, a fim de recebê-la. João foi enviado para nos convidar a esta conversão, mas já era o
Cristo mesmo que estava agindo nele, pois “a Palavra de Deus foi dirigida a ele”. “No deserto”,
representando um espaço vazio de obstáculos. Notemos o contraste violento contido na
primeira frase deste evangelho: primeiro, as “montanhas”, os poderes efêmeros deste mundo,
que vão sendo aplainados pelos acontecimentos com o passar do tempo; depois, “João, filho
de Zacarias”, ainda muito pequeno, mas de quem se dirá “não haver ninguém maior do que
ele, dentre os nascidos de mulher”; (Lucas 7,28). É como uma ilustração do Magnificat: “Depôs
os poderosos de seus tronos e elevou os humildes”. Assim, João está aí para sempre, na
memória dos crentes, e também pela perenidade da sua função, porque o caminho do Cristo
tem necessidade permanente de ser preparado e aplanado.

João, modelo de transparência.
Os dois capítulos que precedem este evangelho de hoje relatam a infância de Jesus.
Compõem, portanto, um Evangelho especial. Este capítulo 3 inicia um novo relato, que pode
ser comparado ao começo do Evangelho de Marcos. Neste início, Lucas enumera os
potentados que governam a região e até mesmo o Império. É um contraste surpreendente: a
palavra de Deus, que faz o universo existir, não é dirigida a nenhum destes personagens
cheios de importância, mas sim ao filho de Zacarias, sobre quem o relato sequer diz ser um
sacerdote, um entre tantos, em Israel. Este João, que Mateus e Marcos descrevem como
sendo um asceta é, de qualquer forma, totalmente transparente. “É a voz daquele que grita no
deserto”, a voz de Outro, pois quem fala por ele é a Palavra de Deus. Assim, ele desaparece
diante deste que ele anuncia. É um dedo apontado, que não solicita nem o olhar nem a
atenção sobre si mesmo, mas para Este o qual está indicando. Em nossos desertos de
ausência de Deus, podemos encontrar o Cristo através de não importa qual desconhecido,
mas, forçosamente, não através destes que são os que de fato contam em nossas sociedades.
O Cristo vem juntar-se a nós através de todos os que tornamos nosso próximo, “estes irmãos
mais pequeninos” de que fala Jesus, em Mateus 25. Deus não é avarento de sua palavra: Ele
nos fala sem cessar, em todos os que são nossos irmãos e irmãs em humanidade. Deste
modo, João Batista não desapareceu. Está vivo em cada um de nós, desde que renunciemos a
atrair sobre nós mesmos o olhar dos outros, para dirigir sua atenção para Aquele que vem, isto
é, desde que abramos um futuro para Ele.

Atualidade de João Batista
Tendo dito isto, João conserva toda a sua personalidade histórica. O papel que desempenha
comunica-se a muitos homens e mulheres, sem se diluir neles. Em João encarna-se toda a
Primeira Aliança. Ele é dela, de alguma forma, o resultado e a recapitulação. Sem dúvida é por
isso que os evangelistas, ao falarem sobre ele, citam Isaías. Ora o texto escolhido anuncia a
volta do exílio da Babilônia, mas com imagens que vêm do Êxodo, da libertação da escravidão
do Egito. Pois agora, com o Cristo, é que se vai produzir o verdadeiro Êxodo, a verdadeira volta
do exílio. O Êxodo definitivo. Outro paradoxo, este “agora” está no futuro: João anuncia Aquele
que vem depois dele. Este que vem é que dá valor ao nosso presente, como vimos no
comentário passado. Cristo nos habita nesta nossa espera da sua vinda. Vinda permanente,
mas sempre se fazendo, até que Ele seja tudo em todos. Temos aí algo que, de nossa parte,
pede uma abertura continuada, sempre a se renovar. Somos sempre preenchidos e, no
entanto, nunca estamos satisfeitos, é esta a nossa situação. Estejamos certos de que o que quer que venha a acontecer, até mesmo o pior, Cristo virá nos encontrar através disto. Deus
usa para conosco todos os meios disponíveis, mesmo que não sejam os que parecem mais
adequados. Para encaminhar-nos à terra prometida, Ele usa tudo o que nós mesmos Lhe
impomos. João Batista, portanto, é sempre atual, porque, sem cessar, estamos na espera de
uma nova vinda de Deus. Temos necessidade de que este que está no meio de nós, mas que
não reconhecemos, nos seja designado.

Abrir-nos à alegria
Não gostamos muito de ouvir falar em conversão, em penitência, em perdão dos pecados;
preferimos as metáforas de Isaías, menos severas: aplainar o caminho, endireitar as veredas,
aterrar os vales. De que se trata? De abrir-nos a Deus, de deixar que Ele nos crie à sua
imagem, de que deixemo-nos gerar. Mas temos medo de ter de nos movermos; não gostamos
dos pontos de interrogação e preferimos ficar sentados na sede das nossas certezas já
estabelecidas. A conversão consiste em interrogarmo-nos sobre os nossos hábitos e sobre o
valor dos nossos desejos, em sairmos do nosso sono e voltarmos os olhos para Aquele que
vem, sempre novo. E então, seremos curados das nossas paralisias, ouvindo o Cristo nos
dizer: “Levanta-te e anda”. Caminha até mim, “vem e segue-me”. O batismo “para o perdão dos
pecados” que João propõe significa um novo nascimento, um novo ponto de partida desta vida
para a Vida. De fato, o “pecado” não é antes de tudo a transgressão de uma proibição ou de
uma lei, mas aquilo que se põe atravessado à nossa criação, à nossa verdade. O batismo de
João não nos dá a plenitude da vida nova, mas nos leva a fazer o deserto dentro de nós: a
tábula rasa de tudo o que nos impede de dar por inteiro o lugar para Aquele que vem. Notemos
que nossas três leituras nos anunciam uma boa nova: temos, por certo, de superar as nossas
ilusões e nossas andanças erráticas, mas é para abrirmo-nos à alegria (Baruc 5,9; Filipenses
1,11; Lucas 3,4-6). Depois da travessia do deserto, a Terra prometida.

Marcel Domergue, jesuíta
Tradução: João Bosco Lara

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