2º Domingo do Tempo Comum – O primeiro milagre de Jesus

I. EM CANÁ, uma cidade a pouca distância de Nazaré, onde vivia a Mãe de Jesus, realizava-se uma festa de casamento. Por amizade ou parentesco, Maria encontrava-se presente, como também Jesus, que fora convidado a participar da festa com os seus primeiros discípulos.

Nessas ocasiões, era costume que as mulheres amigas da família se encarregassem de preparar tudo. Começou a festa e, por falta de previsão ou por uma afluência inesperada de convidados, começou a faltar vinho. A Virgem Maria, que presta a sua ajuda, percebe o que se passa. Mas Jesus, seu Filho e seu Deus, está ali; acaba de iniciar-se o seu ministério público. E Ela sabe melhor que ninguém que o seu Filho é o Messias. E dá-se então um diálogo cheio de ternura e simplicidade entre a Mãe e o Filho, que o Evangelho da Missa de hoje nos relata1:A Mãe de Jesus disse-lhe: Não têm vinho. Pede sem pedir, expondo uma necessidade. E desse modo nos ensina a pedir.

Jesus respondeu-lhe: Mulher, que nos importa isso a mim e a ti? Ainda não chegou a minha hora. Parece que Jesus vai negar à sua Mãe o que Ela lhe pede. Mas a Virgem, que conhece bem o coração do seu Filho, comporta-se como se tivesse sido atendida e pede aos servos: Fazei o que Ele vos disser.

Maria é uma Mãe atentíssima a todas as nossas necessidades, de uma solicitude que mãe alguma sobre a terra jamais teve ou terá. O milagre acontecerá porque Ela intercedeu; só por isso.

“Por que terão tamanha eficácia as súplicas de Maria diante de Deus? As orações dos santos são orações de servos, ao passo que as de Maria são orações de Mãe, e daí procedem a sua eficácia e o seu caráter de autoridade; e como Jesus ama entranhadamente a sua Mãe, não pode Ela suplicar sem ser atendida […]. Em Caná, ninguém pede à Santíssima Virgem que interceda junto do seu Filho pelos consternados esposos. Mas o coração de Maria, que não pode deixar de se compadecer dos infelizes […], impele-a a assumir por iniciativa própria o ofício de intercessora e a pedir ao Filho o milagre […]. Se a Senhora procedeu assim sem que lhe tivessem dito nada, que teria feito se lhe tivessem pedido que interviesse?”2 Que não fará quando – tantas vezes ao longo do dia! – lhe dizemos “rogai por nós”? Que não iremos conseguir se recorremos a Ela?

Onipotência suplicante. Assim a chamou a piedade cristã, porque o seu Filho é Deus e não lhe pode negar nada3. Maria está sempre atenta às nossas necessidades espirituais e materiais; deseja até, mais do que nós próprios, que não cessemos de implorar a sua intervenção diante de Deus em nosso favor. E nós somos tão remissos em pedir-lhe! Tão desconfiados e tão pouco pacientes quando o que lhe pedimos parece que tarda em chegar!

Não deveríamos suplicar o seu socorro com mais freqüência? Não deveríamos implorar-lhe com outra confiança, sabendo que Ela nos conseguirá o que nos é mais necessário? Se conseguiu do seu Filho o vinho, que era dispensável, não haverá de remediar tantas necessidades urgentes como as que temos? “Quero, Senhor, abandonar o cuidado de todas as minhas coisas nas tuas mãos generosas. A nossa Mãe – a tua Mãe! –, a estas horas, como em Caná, já fez soar aos teus ouvidos: – Não têm!…”4

II. SÓ EM OUTRA OCASIÃO São João chama a Maria Mãe de Jesus: ao relatar-nos a cena do Calvário5. Entre os dois acontecimentos – Caná e o Calvário – há diversas analogias. O primeiro está situado no começo e o outro no fim da vida pública de Jesus, como que para indicar que toda a obra do Senhor se desenvolve acompanhada pela presença de Maria. Os dois episódios indicam a especial solicitude de Santa Maria para com os homens; em Caná, intercede quando ainda não chegou a hora6; no Calvário, oferece ao Pai a morte redentora do seu Filho e aceita a missão, que Jesus lhe confere, de ser a Mãe de todos os fiéis7.

“Em Caná da Galiléia, evidencia-se apenas um aspecto concreto da indigência humana, aparentemente pequeno e de pouca importância: Não têm vinho. Mas é algo que tem um valor simbólico: esse ir ao encontro das necessidades do homem significa, ao mesmo tempo, introduzir essas carências no âmbito da missão messiânica e do poder salvífico de Cristo. Dá-se, portanto, uma mediação: Maria põe-se de permeio entre o seu Filho e os homens na realidade das suas privações, das suas indigências e dos seus sofrimentos. Põe-se “de permeio”, isto é, faz de medianeira, não como uma estranha, mas na posição de mãe, consciente de que como tal pode – ou antes, tem o direito de – tornar presentes ao Filho as necessidades dos homens”8.

Disse a sua Mãe aos servidores: Fazei o que Ele vos disser. E os servidores obedeceram com prontidão e eficácia: encheram seis talhas de pedra para as purificações, tal como o Senhor lhes dissera. São João indica que as encheram até à borda.

Tirai agora, disse-lhes Jesus, e levai-o ao mestre-sala. E o vinho foi o melhor de todos os que os convidados beberam. As nossas vidas, tal como a água, eram também insípidas e sem sentido até que Jesus chegou a elas. Ele transforma o nosso trabalho, as nossas alegrias, as nossas penas; a própria morte se torna diferente junto de Cristo.

O Senhor só espera que cumpramos os nossos deveres usque ad summum, até à borda, acabadamente, para depois realizar o milagre. Se os que trabalham na Universidade, nos hospitais, nas tarefas do lar, na economia, nas fábricas…, o fizessem com perfeição humana e espírito cristão, amanhã haveríamos de levantar-nos num mundo diferente. O mundo seria semelhante a uma festa de casamento, seria um lugar mais habitável e digno do homem, a que a presença de Jesus e de Maria teria conferido uma alegria especial.

Enchei de água as talhas, diz-nos o Senhor. Não permitamos que a rotina, a impaciência e a preguiça nos façam deixar pela metade a realização dos nossos deveres diários. É muito pouco o que podemos oferecer a Deus, mas Ele quer dispor disso. O Senhor poderia ter realizado o milagre com talhas vazias, mas quis que os homens começassem por cooperar com o seu esforço e com os meios ao seu alcance.

Que alegria a dos servidores obedientes e eficazes quando viram a água transformada em vinho! Foram testemunhas silenciosas do poder do Mestre. Que alegria não há de ser a nossa quando, pela misericórdia divina, contemplarmos no Céu todos os nossos afazeres convertidos em glória!

III. JESUS NÃO NOS NEGA NADA; e concede-nos de modo particular tudo o que lhe pedimos através de sua Mãe. Ela se encarrega de endireitar as nossas súplicas se estão um pouco tortas, tal como fazem as mães. Sempre nos concede mais, muito mais do que pedimos, tal como aconteceu naquela festa em Caná da Galiléia, em que teria bastado um vinho normal, até pior do que o que já se tinha servido, e muito provavelmente em quantidade bem menor, para satisfazer os convidados.

São João tem um interesse especial em sublinhar que se tratava de seis talhas de pedra com capacidade de duas ou três medidas cada uma, para deixar clara a abundância do dom, tal como o fará ao narrar o milagre da multiplicação dos pães9, pois um dos sinais da chegada do Messias era a abundância. Os comentaristas calculam que Cristo converteu em vinho uma quantidade que oscila entre 480 e 720 litros, de acordo com a capacidade desses grandes recipientes judaicos10.

Concorrem aqui também duas imagens proféticas com que se descrevera o tempo do Messias: o banquete e os desposórios. Serás como a coroa brilhante na mão do Senhor e como diadema real na palma do teu Deus, diz-nos o profeta Isaías numa belíssima imagem, recolhida na primeira Leitura da Missa. Nunca mais serás chamada “desamparada”, nem a tua terra “abandonada”; serás chamada “minha preferida” e a tua terra “desposada”, porque o Senhor se deliciará em ti e a tua terra terá um esposo. Assim como um jovem desposa uma jovem, aquele que te tiver construído te desposará; e como a recém-casada faz a alegria do seu marido, assim tu farás a alegria do teu Deus11. É a alegria e a intimidade que Deus deseja ter com todos nós.

Aqueles primeiros discípulos, entre os quais se encontrava São João, não saíam do seu assombro. O milagre serviu para que dessem um passo adiante na sua fé incipiente. Jesus confirmou-os na fé, tal como faz com todos aqueles que decidem segui-lo.

Fazei o que Ele vos disser. Foram as últimas palavras de Nossa Senhora registradas pelo Evangelho. E não poderiam ter sido melhores.

(1) Cfr. Jo 2, 1-12; (2) Santo Afonso Maria de Ligório, Sermões abreviados, serm. 45: “Da confiança na Mãe de Deus”; (3) cfr. João Paulo II, Homilia no Santuário de Pompéia, 21-X-1979, ns. 4-6; (4) Josemaría Escrivá, Forja, n. 807; (5) cfr. Jo 19, 25; (6) cfr. Jo 2, 4; (7) cfr. Conc. Vaticano II, Const.Lumen gentium, 58; (8) João Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, 25-III-1987, 20; (9) Jo 6, 12-13; (10) Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos, EUNSA, Pamplona, 1983, nota a Jo 2, 6; (11) Is 62, 3-5.

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