3º Domingo da Páscoa

NO DIA CHAMADO DO SOL, reúnem-se num mesmo lugar todos os que moram nas cidades ou nos campos […]. E reunimo-nos todos no dia do Sol porque é o primeiro da semana, aquele em que Deus criou o mundo, e porque nesse mesmo dia Jesus Cristo nosso Salvador ressuscitou dos mortos”1. O sábado judeu deu lugar ao domingo cristão desde os começos da Igreja. A partir de então, comemoramos em cada domingo a Ressurreição de Cristo.

No Antigo Testamento, o sábado era o dia dedicado a Javé. Foi o próprio Deus que o instituiu2, ordenando que nesse dia o povo israelita se abstivesse de certos trabalhos, para dedicar-se a honrá-lo3. Era também o dia em que se congregava a família e em que se celebrava o fim do cativeiro no Egito. Com o decorrer do tempo, os rabinos complicaram o preceito divino, e no tempo de Jesus estavam em vigor inúmeras prescrições minuciosas e aflitivas que nada tinham que ver com o que o Senhor havia ordenado.

Os fariseus implicaram freqüentemente com Jesus por essas questões. Mas o Senhor não desprezou o sábado nem o suprimiu como dia dedicado a Javé; pelo contrário, parecia ser esse o seu dia predileto: é nesse dia que vai pregar às sinagogas, e muitos dos seus milagres foram feitos num sábado.

A Sagrada Escritura, em numerosas passagens, tinha formulado um conceito alto e nobre do sábado. Era o dia estabelecido por Deus para que o seu povo lhe prestasse culto público, e a dedicação integral da jornada ao Senhor configurava-se como uma obrigação grave4. Houve ocasiões em que os profetas denunciaram a violação do sábado como causa dos castigos de Deus sobre o seu povo.

De natureza estritamente religiosa, o descanso sabático manifestava-se e culminava na oblação de um sacrifício5. Como as demais festas de Israel, que estavam todas ligadas a um acontecimento salvífico, era sinal da aliança divina e um modo de o povo escolhido expressar o júbilo de saber-se propriedade do Senhor e objeto da sua eleição e do seu amor.

Com a Ressurreição de Jesus Cristo, o sábado dá lugar à realidade que prenunciava: a festa cristã. O próprio Jesus fala do Reino de Deus como uma grande festa oferecida por um rei para celebrar as bodas do seu filho6. Com Cristo surge um culto novo e superior, porque temos também um novo Sacerdote e se oferece uma nova Vítima.

II. DEPOIS DA RESSURREIÇÃO, os Apóstolos passaram a considerar o primeiro dia da semana como o dia do Senhor, dominica dies7, porquanto foi nesse dia que Ele nos alcançou com a sua Ressurreição a vitória sobre o pecado e a morte. E esta tem sido a tradição constante e universal da Igreja, desde o tempo dos primeiros cristãos até os nossos dias. “Por uma tradição apostólica que tem a sua origem no próprio dia da Ressurreição de Cristo, a Igreja celebra cada oito dias o mistério pascal, no dia que é muito justamente chamado o dia do Senhor ou domingo8.

Além do domingo, a Igreja estabeleceu as festas que comemoram os principais acontecimentos da nossa salvação: o Natal, a Páscoa, a Ascensão, o Pentecostes, outras festas do Senhor, bem como as festas de Nossa Senhora. E desde o princípio os cristãos celebraram também o dies natalisou aniversário do martírio dos primeiros cristãos. As festas cristãs chegaram até a ordenar o próprio calendário civil. Com essa sucessão de festas, a Igreja “relembra os mistérios da Redenção, franqueia aos fiéis as riquezas do poder santificador e dos méritos do seu Senhor, de tal sorte que, de alguma forma, os torna presentes em todos os tempos, para que os fiéis entrem em contacto com eles e sejam repletos da graça da salvação”9.

O centro e a origem da alegria da festa cristã encontra-se na presença do Senhor na sua Igreja, que é o penhor e a antecipação de uma união definitiva na festa que não terá fim10. Daí a alegria que inunda a celebração dominical, como se percebe na oração sobre as oferendas da Missa de hoje: “Recebei, Senhor, as oferendas da vossa Igreja exultante de júbilo; e já que com a ressurreição do vosso Filho nos destes motivo para tanta alegria, concedei-nos que possamos participar desse gozo eterno”. Por isso, as nossas festas não são uma mera recordação de fatos passados, como pode ser a data de um acontecimento histórico, mas um sinal que nos manifesta Cristo e o torna presente entre nós.

A Santa Missa torna Jesus presente na sua Igreja e é o Sacrifício de valor infinito que se oferece a Deus Pai no Espírito Santo. Todos os outros valores humanos, culturais e sociais da festa devem ocupar um lugar secundário, cada um na sua ordem, de modo a não obscurecerem ou substituírem em momento algum o que deve ser fundamental. A par da Santa Missa, têm também um lugar importante as manifestações de piedade litúrgica e popular, como o culto eucarístico, as procissões, o canto, etc.

Temos de procurar, mediante o exemplo e o apostolado, que o domingo seja “o dia do Senhor, o dia da adoração e da glorificação de Deus, do santo Sacrifício, da oração, do descanso, do recolhimento, do alegre convívio na intimidade da família”11.

III. ACLAMAI A DEUS, toda a terra, cantai a glória do seu nome, rendei-lhe glorioso louvor, lemos na antífona de entrada12.

O preceito de santificar as festas corresponde também à necessidade de prestar culto público a Deus, e não somente de modo privado. Alguns pretendem relegar o trato com Deus ao âmbito da consciência, como se não houvesse necessidade de manifestações externas. Mas o homem tem o direito e o dever de prestar culto externo e público a Deus, e seria uma gravíssima injustiça que os cristãos se vissem obrigados a ocultar-se para poderem praticar a sua fé e prestar culto a Deus, que é o seu primeiro direito e o seu primeiro dever.

O domingo e as festas determinadas pela Igreja são, antes de mais nada, dias para Deus e dias especialmente propícios para procurá-lo e encontrá-lo. “Quaerite Dominum. Nunca podemos deixar de procurá-lo. Mas há períodos que exigem que o façamos com mais intensidade, porque neles o Senhor está especialmente perto, e por conseguinte é mais fácil achá-lo e encontrar-se com Ele. Esta proximidade constitui a resposta do Senhor à invocação da Igreja, que se expressa continuamente através da liturgia. Mais ainda, é precisamente a liturgia que atualiza a proximidade do Senhor”13.

As festas têm uma grande importância para ajudar os cristãos a receber melhor a ação da graça. Nesses dias, exige-se também que o fiel suspenda o seu trabalho para poder dedicar-se com maior liberdade ao Senhor. Mas, assim como não há festa sem celebração, pois não basta deixar de trabalhar para já se ter uma festa, assim também não há festa cristã se os fiéis não se reúnem para dar graças ao Senhor, louvá-lo, recordar as suas obras, etc. Por isso, seria sinal de pouco sentido cristão programar os domingos, as festas, os fins de semana… de maneira que se tornasse impossível ou muito difícil esse trato com Deus. Por esse caminho, alguns cristãos tíbios acabam por pensar que não têm tempo para assistir à Santa Missa, ou fazem-no de maneira precipitada, como quem se livra de uma obrigação tediosa.

O descanso não é apenas uma ocasião de repor as forças; é também sinal e antecipação do repouso definitivo na festa do Céu. Esta é a razão pela qual a Igreja quer que a celebração das suas festas inclua a suspensão do trabalho, algo a que, por outro lado, os fiéis cristãos têm direito como cidadãos iguais aos outros.

O descanso festivo não deve ser interpretado nem vivido como um simples não fazer nada – uma perda de tempo –, mas como um ocupar-se positivamente e um enriquecer-se pessoalmente em outras tarefas. Há muitas maneiras de descansar, e não convém ficar na mais fácil, que muitas vezes não é a que mais descansa. Se soubermos limitar, por exemplo, o uso da televisão, não repetiremos tanto a falsa desculpa de que “não temos tempo”. Pelo contrário, veremos que nesses dias podemos conviver mais com a família, cuidar melhor da educação dos filhos, cultivar o relacionamento social e as amizades, fazer uma visita a pessoas necessitadas ou que estão sozinhas ou doentes, etc. É talvez a ocasião que andávamos procurando de poder conversar com mais calma com um amigo; ou o momento em que o pai ou a mãe podem falar a sós com o filho que mais necessita disso e escutá-lo. Em geral, é necessário “ter o dia todo preenchido com um horário elástico onde não faltem como tempo principal – além das normas diárias de piedade – o devido descanso, a reunião familiar, a leitura, os momentos dedicados a um gosto artístico, à literatura ou a outra distração nobre, enchendo as horas com uma atividade útil, fazendo as coisas o melhor possível, vivendo os pormenores de ordem, de pontualidade, de bom-humor”14.

(1) São Justino, Apologia 1, 67; Segunda leitura da Liturgia das Horas do terceiro domingo do Tempo Pascal; (2) Gen 2, 3; (3) Ex 20, 8-11; 21, 13; Deut 5, 14; (4) cfr. Ex 31, 14-15; (5) cfr. Num 28, 49-28, 9-10; (6) cfr. Mt 22, 2-13; (7) Apoc 1, 10; (8) Conc. Vat. II, Const. Sacrossanctum Concilium, 106; (9) ib., 102; (10) cfr. Apoc 21, 1 e segs.; 2 Cor 1, 22; (11) Pio XII, Aloc., 7-IX-1947; (12) Sl 65, 1-2; (13) João Paulo II, Homilia, 20-III-1980; (14) Josemaría Escrivá, Questões atuais do cristinianismo, n. 111.

Utilizamos seus dados para analisar e personalizar nossos conteúdos e anúncios durante a sua navegação em nossa plataforma e em serviços de terceiros parceiros. Ao navegar pelo nosso site, você nos autoriza a coletar tais informações e utilizá-las para estas finalidades. Em caso de dúvidas, acesse nossa Política de Privacidade.