5º Domingo da quaresma

FAZEI-ME JUSTIÇA, ó Deus, e defendei a minha causa… Pois Vós, ó meu Deus, sois a minha fortaleza1, rezamos na antífona de entrada da Missa.

Grande parte da humanidade clama aos brados por uma maior justiça, por “uma paz melhor assegurada num ambiente de respeito mútuo entre os homens e entre os povos”2. Este desejo de construir um mundo mais justo, em que se respeite mais o homem criado por Deus à sua imagem e semelhança, é parte fundamental da fome e sede de justiça3 que deve palpitar no coração cristão.

Toda a pregação de Jesus Cristo é um apelo à justiça (na sua plenitude, sem reducionismos) e à misericórdia. O próprio Senhor condena os fariseus que devoram as casas das viúvas, enquanto fingem longas orações4. E é o Apóstolo Tiago quem dirige esta severa censura aos que se enriquecem mediante a fraude e a injustiça: As vossas riquezas estão podres […]. Eis que brada aos céus o salário que defraudastes aos trabalhadores que ceifavam os vossos campos, e os gritos dos ceifadores chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos5.

Fiel ao ensinamento da Sagrada Escritura, a Igreja pede-nos que nos unamos urgentemente a este clamor do mundo e o convertamos numa oração que chegue até o nosso Pai-Deus. Ao mesmo tempo, anima-nos e concita-nos a observar as exigências da justiça na vida pessoal, profissional e social, e a sair em defesa daqueles que – por serem mais fracos – não podem fazer valer os seus direitos. Não são próprias do cristão as lamentações estéreis. O Senhor, ao invés de queixas inúteis, quer que o desagravemos pelas injustiças que todos os dias se cometem no mundo, e que procuremos remediar todas as que possamos, começando pelas que estão ao nosso alcance, no âmbito em que se desenvolve a nossa vida: a mãe de família no seu lar e com as pessoas com quem se relaciona, o empresário na empresa, o professor na Universidade…

A solução definitiva para instaurar e promover a justiça em todos os níveis está no coração de cada homem, pois é nele que se forjam todas as injustiças existentes e que está a possibilidade de tornar retas todas as relações humanas. “O homem, negando e tentando negar a Deus, seu Princípio e Fim, altera profundamente a sua ordem e equilíbrio interior, o da sociedade e também o da criação visível. É em conexão com o pecado que a Escritura considera o conjunto das calamidades que oprimem o homem no seu ser individual e social”6.

Por isso, nós, cristãos, não podemos esquecer que quando, mediante o apostolado pessoal, aproximamos os homens de Deus, estamos construindo um mundo mais humano e mais justo. Além disso, a nossa fé intima-nos urgentemente a nunca eludir o compromisso pessoal de sair em defesa da justiça, particularmente no âmbito dos direitos fundamentais da pessoa: o direito à vida, ao trabalho, à educação, à boa fama… “Cumpre-nos defender o direito, que todos os homens têm, de viver, de possuir o necessário para desenvolver uma existência digna, de trabalhar e descansar, de escolher o seu estado, de formar um lar, de trazer filhos ao mundo dentro do matrimônio e de poder educá-los, de passar serenamente o tempo da doença ou da velhice, de ter acesso à cultura, de associar-se com os demais cidadãos para atingir fins lícitos, e, em primeiro lugar, de conhecer e amar a Deus com plena liberdade”7.

Na nossa esfera pessoal, devemos perguntar-nos se executamos com perfeição e intensidade o trabalho pelo qual nos pagam, se remuneramos devidamente as pessoas que nos prestam serviços, se exercemos responsavelmente os direitos e deveres que podem influir na configuração das instituições de que fazemos parte, se defendemos o bom nome dos outros, se saímos em defesa dos fracos, se fazemos silenciar as críticas difamatórias que podem surgir à nossa volta… É assim que amaremos a justiça.

II. OS DEVERES PROFISSIONAIS são um campo excelente para vivermos a virtude da justiça. Dar a cada um o que é seu – característica própria dessa virtude – significa neste caso cumprir aquilo a que nos comprometemos. O patrão, a dona de casa, o chefe, obrigam-se a remunerar as pessoas que trabalham às suas ordens de acordo com as leis civis justas e com os ditames de uma consciência reta, que muitas vezes irá mais longe que a própria lei.

Por seu turno, os operários e empregados têm o grave dever de trabalhar responsavelmente, com espírito profissional, aproveitando o tempo. A laboriosidade apresenta-se assim como uma manifestação prática da justiça. “Não acredito na justiça dos folgazões, porque com o seu dolce far niente – como dizem na minha querida Itália – faltam, e às vezes de modo grave, ao mais fundamental dos princípios da eqüidade: o do trabalho”8.

O mesmo princípio se pode aplicar aos estudantes. Têm o grave dever de estudar – é o seu trabalho – e contraíram uma obrigação de justiça para com a família e a sociedade, que os sustentam economicamente para que se preparem e possam vir a prestar serviços eficazes.

Os deveres profissionais são, por outro lado, o caminho mais à mão com que contamos ordinariamente para colaborar na resolução dos problemas sociais e para intervir na construção de um mundo mais justo. No seu desejo de construir esse mundo, o cristão deve ser exemplar no cumprimento das legítimas leis civis, porque, se essas leis são justas, são queridas por Deus e constituem a base da própria convivência humana. Como cidadãos correntes que são, os cristãos devem ser exemplares no pagamento dos impostos justos, necessários para que a sociedade organizada possa chegar aonde o indivíduo pessoalmente seria ineficaz. Pagai a todos o que lhes é devido: a quem imposto, imposto; a quem tributo, tributo; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra9.É necessário, pois, submeter-se, não só por temor do castigo, mas por dever de consciência10. Assim viveram os cristãos desde o começo as suas obrigações sociais, mesmo no meio das perseguições e do paganismo dos poderes públicos. “Tal como aprendemos dEle (de Cristo) – escrevia São Justino, nos meados do século II –, nós procuramos pagar os tributos e contribuições, integralmente e com prontidão, aos vossos encarregados”11.

Entre os deveres sociais do cristão, o Concílio Vaticano II recorda “o direito e ao mesmo tempo o dever […] de votar para promover o bem comum”12. Desinteressar-se de manifestar a própria opinião nos diferentes níveis em que devemos exercer os nossos direitos sociais e cívicos seria uma falta contra a justiça, às vezes grave, se essa abstenção favorecesse candidaturas (tanto na composição dos parlamentos como na das associações de pais e mestres de um colégio, na direção de uma escola profissional, etc.) cujo programa se opusesse aos princípios da doutrina cristã. Com maior razão, seria uma irresponsabilidade, e talvez uma grave falta contra a justiça, apoiar organizações ou pessoas que não respeitassem na sua atuação os fundamentos da lei natural e da dignidade humana (aborto, divórcio, liberdade de ensino, respeito à família…)

III. “O CRISTÃO que queira viver a sua fé numa ação política concebida como serviço, não pode aderir – sem contradizer-se – a sistemas ideológicos que se oponham, radicalmente ou em pontos substanciais, à sua fé e à sua concepção do homem. Não é lícito, portanto, favorecer a ideologia marxista, o seu materialismo ateu, a sua dialética de violência e a maneira como entende a liberdade individual dentro da sociedade, negando ao mesmo tempo qualquer transcendência ao homem e à sua história pessoal e coletiva. O cristão também não apoia a ideologia liberal, que julga exaltar a liberdade individual subtraindo-a a qualquer limitação, estimulando-a mediante a procura exclusiva do interesse e do poder, e considerando as solidariedades sociais como conseqüências mais ou menos automáticas das iniciativas individuais, e não como fim e motivo primário do valor da organização social”13.

Unimo-nos hoje a esse desejo de uma maior justiça, que é uma das características do nosso tempo14. Pedimos ao Senhor uma maior justiça e uma maior paz, rezamos pelos governantes, como sempre se fez na Igreja15, para que sejam promotores da justiça, da paz e de um maior respeito pela dignidade da pessoa. E, dentro daquilo que está nas nossas mãos, fazemos o propósito de introduzir as exigências do Evangelho na nossa vida pessoal, na família, no mundo em que cada dia nos movemos e do qual participamos.

Além do que cabe em sentido estrito à virtude da justiça, viveremos também aquelas outras manifestações de virtudes naturais e sobrenaturais que a completam e enriquecem: a lealdade, a afabilidade, a alegria… E sobretudo a fé, que nos dá a conhecer o verdadeiro valor da pessoa, bem como a caridade, que nos leva a comportar-nos com os outros muito além do que nos pediria a estrita justiça, porque vemos nos outros filhos de Deus, o próprio Cristo que nos diz: Todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes16.

(1) Sl 42, 1; (2) Paulo VI, Carta Apost. Octogesima adveniens, 14-V-1971; (3) cfr. Mt 5, 6; (4) Mc 12, 40; (5) Ti 5, 2-4; (6) S. C. para a doutrina da fé, Instr. sobre a liberdade cristã e a libertação, 22-III-1986, n. 38; (7) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 171; (8) ib., n. 169; (9) Rom 13, 7; (10) cfr. Rom 13, 7; (11) São Justino, Apologética I, 7; (12) Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 75; (13) Paulo VI, Carta Apost. Octogesima adveniens, 14-V-1971; (14) cfr. S. C. para a doutrina da fé,op. cit., 1; (15) cfr. 1 Tim 2, 1-2; (16) cfr. Mt 25, 40.

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