A comunhão espiritual

SENHOR, OUVI A MINHA ORAÇÃO e chegue até Vós o meu clamor. Não oculteis de mim a vossa face no dia da minha angústia. Inclinai para mim o vosso ouvido e, quando Vos invocar, socorrei-me prontamente1.

O Evangelho da Missa2 relata os milagres que Jesus realizou certa vez, depois de ter voltado à outra margem do lago, provavelmente a Cafarnaum. São Lucas diz-nos que todos estavam à sua espera3; agora mostram-se contentes por tê-lo de novo com eles. E o Senhor toma imediatamente o caminho para a cidade, seguido dos seus discípulos e da multidão que o rodeia por todos os lados.

No meio de tantos que caminham num círculo apertado à sua volta, uma mulher vacilante ora consegue aproximar-se dEle, ora se vê atirada para longe, enquanto não cessa de repetir para si mesma: Se eu tocar nem que seja a orla do seu manto, ficarei curada. Estava doente havia doze anos e já tinha recorrido sem nenhum sucesso a todos os remédios humanos ao seu alcance: Sofrera muito nas mãos de vários médicos, gastando tudo o que possuía, sem achar nenhum alívio. Mas naquele dia compreendeu que Jesus era o seu único remédio: não só para uma doença que a tornava impura perante a lei, mas para toda a sua vida. A certa altura, conseguiu esticar a mão e tocar a orla do manto do Senhor. E nesse exato momento Jesus deteve-se e ela sentiu-se curada.

Quem tocou as minhas vestes?, perguntou Jesus, dirigindo-se aos que o cercavam. Eu sei que uma força saiu de mim4. Naquele instante, a mulher viu fixarem-se nela aqueles olhos que chegavam até o fundo do coração. Atemorizada, trêmula e cheia de alegria, tudo ao mesmo tempo, lançou-se aos seus pés.

Nós também necessitamos do contacto com Cristo, porque são muitas as nossas doenças e grande a nossa fraqueza. E chegamos a ter esse encontro com Ele sempre que o recebemos na Comunhão, oculto nas espécies sacramentais. E são tantos os bens que então recebemos que o Senhor nos fita e nos pode dizer: Eu sei que uma força saiu de mim. É uma torrente de graças que nos inunda de alegria, que nos dá a firmeza necessária para continuarmos a caminhar e que causa assombro aos anjos.

Quando a nossa amizade com Cristo cresce sempre mais, passamos a desejar que chegue o momento de cada Comunhão. Procuramos o Senhor com a mesma persistência daquela mulher doente, servindo-nos para isso de todos os meios ao nosso alcance, tanto humanos como sobrenaturais. Se, em alguma ocasião, devido a uma viagem, a um contratempo na família, a uma época de exames ou de trabalho mais intenso, etc., se torna mais difícil comungar, fazemos um esforço maior, somos mais engenhosos em vencer os obstáculos, pomos mais amor. Procuramos então o Senhor com o mesmo empenho com que Maria Madalena foi ao sepulcro ao raiar do terceiro dia, sem se importar com os soldados que estavam de guarda, nem com a pedra que lhe impedia a passagem…

Santa Catarina de Sena explica com um exemplo a importância de se desejar vivamente a Comunhão. Suponhamos – diz-nos – que várias pessoas têm uma vela de peso e tamanho diferentes. A primeira tem uma vela de cem gramas, a segunda de duzentos, a terceira de trezentos, e outra de um quilo. Cada uma acende a sua vela. A que tem a vela de cem gramas tem menos capacidade de iluminar do que a que possui a vela de um quilo. Assim acontece com os que vão comungar. Cada um leva um círio, que são os santos desejos com que recebe este sacramento5. Esses “santos desejos” são a condição de uma Comunhão fervorosa.

II. PARA QUEM ESTÁ EM GRAÇA, todas as condições para receber sempre com fruto a Comunhão sacramental podem resumir-se numa: ter fome da Sagrada Eucaristia6. Esta fome e esta sede de Cristo não podem ser substituídas por nada.

O vivo desejo de comungar, sinal de fé e de amor, há de levar-nos a muitas comunhões espirituais antes de recebermos o Senhor sacramentalmente, e isso durante o dia, no meio da rua ou do trabalho. “A comunhão espiritual consiste num desejo ardente de receber Jesus Sacramentado e num abraço amoroso como se já o tivéssemos recebido”7. Prolonga de certa maneira os frutos da Comunhão anterior, prepara para a seguinte e ajuda-nos a desagravar o Senhor pelas vezes em que talvez não nos tenhamos preparado para recebê-lo com a delicadeza e o amor que Ele esperava, e também por todos aqueles que comungam com pecados graves na consciência ou que, de um modo ou de outro, se esqueceram de que Cristo ficou neste sacramento.

“A comunhão espiritual pode ser feita sem que ninguém nos veja, sem que se esteja em jejum, e a qualquer hora, porque consiste num ato de amor; basta dizer de todo o coração: […] Creio, ó meu Jesus, que estais no Santíssimo Sacramento; eu Vos amo e desejo muito receber-Vos, vinde ao meu coração; eu Vos abraço; não Vos ausenteis de mim”8. Ou, como muitos outros cristãos, que o aprenderam talvez por ocasião da sua Primeira Comunhão: Eu quisera, Senhor, receber-Vos com aquela pureza, humildade e devoção com que Vos recebeu a vossa Santíssima Mãe, com o espírito e o fervor dos santos9.

Devemos praticar especialmente as comunhões espirituais nas horas que antecedem a Missa e a Comunhão: à noite, quando chega a hora do descanso; de manhã, a partir do momento em que nos levantamos. Se pusermos um pouco de esforço e pedirmos ajuda ao nosso Anjo da Guarda, a Eucaristia presidirá à nossa vida e será “o centro e o cume”10 para o qual se dirigem todos os nossos atos do dia que começa.

Recorramos hoje ao nosso Anjo da Guarda para que nos recorde freqüentemente a proximidade de Cristo nos sacrários da cidade onde vivemos ou onde nos encontramos, e nos consiga abundantes graças para que cada dia seja maior o nosso desejo de receber Jesus, e maior o nosso amor, particularmente nesses minutos em que o temos sacramentalmente em nosso coração.

III. DEVEMOS PÔR O MAIOR empenho em abeirar-nos de Cristo com a fé daquela mulher, com a sua humildade, com o seu grande desejo de ficar curada. “Quem somos nós, para estarmos tão perto dEle? Tal como àquela pobre mulher no meio da multidão, o Senhor ofereceu-nos uma oportunidade. E não só para tocar uma ponta da sua túnica, ou, num breve momento, o extremo do seu manto, a orla. Temo-lo inteiro. Entrega-se totalmente a cada um de nós, com o seu Corpo, com o seu Sangue, com a sua Alma e com a sua Divindade. Comemo-lo todos os dias, falamos intimamente com Ele, como se fala com o pai, como se fala com o Amor”11. É uma realidade, tanto quanto o é a nossa existência ou o mundo e as pessoas que encontramos todos os dias.

A Comunhão não é um prêmio à virtude, mas alimento para os fracos e necessitados: para nós. E a nossa Mãe a Igreja exorta-nos a comungar com freqüência, se possível diariamente, e ao mesmo tempo insiste em que nos esforcemos a fundo por afastar a rotina, a tibieza, a falta de amor, em que purifiquemos a alma dos pecados veniais através de atos de contrição e da confissão freqüente e, antes de mais nada, em que nunca comunguemos com a menor sombra de pecado grave, isto é, sem termos recebido previamente o sacramento do perdão12. Quanto às faltas leves, o Senhor pede-nos o que está ao nosso alcance: arrependimento e desejo de evitar que se repitam.

O amor a Jesus presente na Sagrada Eucaristia manifesta-se também no modo de lhe mostrarmos o nosso agradecimento depois da Comunhão; o amor é inventivo e sabe encontrar modos próprios para expressar a sua gratidão, mesmo que a alma se ache mergulhada na aridez mais completa. A aridez não é tibieza, mas amor com ausência de sentimento, que impele, no entanto, a pôr mais esforço e a pedir ajuda aos intercessores do Céu, como o nosso Anjo da Guarda, que nos prestará grandes serviços numa ocasião como esta, tal como o faz em tantas outras.

As próprias distrações devem ajudar-nos a alcançar um maior fervor à hora de darmos graças a Deus pelo bem incomparável de nos ter visitado. Tudo nos deve servir para que, nesses minutos em que temos o próprio Deus conosco, nos encontremos nas melhores disposições possíveis dentro das nossas limitações. “Quando o receberes, diz-lhe: – Senhor, espero em Ti; adoro-te, amo-te, aumenta-me a fé. Sê o apoio da minha debilidade, Tu, que ficaste na Eucaristia, inerme, para remediar a fraqueza das criaturas”13.

A Virgem Nossa Senhora ajudar-nos-á a preparar a nossa alma com aquela pureza, humildade e devoção com que Ela o recebeu depois da mensagem do Anjo.

(1) Sl 101; (2) Mc 5, 21-43; (3) cfr. Lc 8, 41-56; (4) cfr. Lc 8, 46; (5) Santa Catarina de Sena, O Diálogo, pág. 385; (6) cfr. R. Garrigou-Lagrange, Las tres edades de la vida interior, vol. I, pág. 484; (7) Santo Afonso Maria de Ligório, Visitas ao Santíssimo Sacramento, Rialp, Madrid, 1965, pág. 40; (8) ib., pág. 41; (9) Orações do cristão, Quadrante, São Paulo, pág. 16; (10) cfr. Conc. Vat. II, Decr. Ad gentes, 9; (11) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 199; (12) cfr. 1 Cor 11, 27-28; Paulo VI, Instr. Eucharisticum Mysterium, 37; (13) Josemaría Escrivá, Forja, n. 832.

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