A FUGA PARA O EGITO. VIRTUDES DE SÃO JOSÉ

QUANDO OS MAGOS se foram embora, a Virgem e José comentaram certamente com alegria os acontecimentos daquele dia. Depois, no meio da noite, Maria acordou, chamada por José, e soube da ordem do Anjo: Levanta-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egito e fica ali até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para lhe tirar a vida1. Era o sinal da Cruz no fim de um dia repleto de felicidade.

Maria e José saíram de Belém apressadamente, abandonando muitas coisas necessárias que, numa viagem longa e difícil, não podiam levar consigo, e dominados, além disso, pela inquietação de estarem sob ameaça de morte.

A viagem não podia ser cômoda: vários dias de caminhada por sendas inóspitas, com o temor de serem alcançados na fuga, mais o cansaço e a sede através de regiões desérticas. A fronteira do Egito estava aproximadamente a uma semana de distância, a calcular pelo passo a que podiam avançar, sobretudo se, como é mais provável, enveredaram por atalhos menos freqüentados. Foi uma viagem extenuante, que Deus Pai não quis poupar aos seres que mais amava: talvez para que também nós entendêssemos que não há dificuldade de que não possamos tirar muito bem; e para que soubéssemos que estar perto de Deus não significa sermos poupados à dor e às dificuldades. Deus só nos prometeu serenidade e fortaleza para enfrentá-las.

Seguiram apressadamente o caminho que o Anjo lhes havia indicado, cumprindo em todas aquelas circunstâncias a vontade de Deus. “José não se escandaliza nem diz [ao anjo]: isto parece um enigma. Ainda há pouco me davas a conhecer que Ele salvaria o seu povo, e agora não só não é capaz de salvar-se a si mesmo, como somos nós que temos de fugir, de empreender uma viagem e suportar um longo deslocamento: isso é contrário à tua promessa. José não raciocina desse modo, porque é um varão fiel”2.

Simplesmente obedeceu, com a fortaleza necessária para tomar as rédeas da situação e mobilizar todos os meios ao seu alcance para ultrapassá-la, confiando plenamente em que Deus não o deixaria só. Assim devemos nós fazer em situações difíceis, talvez extremas, sempre que nos custe ver a mão providente de Deus Pai na nossa vida ou na daqueles que mais prezamos; ou quando nos pedem uma coisa que pensamos não ser capazes de dar. No dia seguinte à sua eleição como Papa, dizia João Paulo I: “Ontem de manhã fui à Sixtina votar tranqüilamente. Nunca teria imaginado o que ia acontecer. Mal começou o perigo para mim, os dois colegas que estavam ao meu lado sussurraram-me palavras de alento. Disse-me um deles: «Ânimo! Se o Senhor nos dá um peso, também nos dá a ajuda necessária para carregá-lo»”3.

II. DEPOIS DE UMA LONGA e penosa travessia, Maria e José chegaram ao seu novo país. Naquele tempo, viviam no Egito muitos israelitas, que formavam pequenas comunidades dedicadas principalmente ao comércio. É de supor que José se tivesse incorporado com a sua Família a uma dessas comunidades, disposto a refazer mais uma vez a sua vida com o pouco que tinham podido levar de Belém. Mas levava consigo o mais importante: Jesus, Maria, e o firme propósito de sustentá-los à custa de todos os sacrifícios do mundo.

São José é para nós exemplo de muitas virtudes: de obediência inteligente e rápida, de fé, de esperança, de laboriosidade… Mas sobretudo de fortaleza, tanto no meio das grandes dificuldades como nessas situações normais pelas quais passa um bom pai de família. Recomeçou a vida como pôde, passando dificuldades, aceitando qualquer trabalho, procurando um lar para Maria e Jesus, e sustentando-os, como sempre, com o trabalho de suas mãos, com uma laboriosidade incansável.

Ante as contrariedades que nos possam bater à porta, se Deus as permite, devemos contemplar a figura cheia de fortaleza de São José e recomendar-nos a Ele como fizeram muitos santos. A propósito da eficácia da sua intercessão, escreve Santa Teresa: “Não me recordo até agora de haver-lhe encomendado coisa alguma que tenha deixado de fazer. É coisa espantosa ver as grandes mercês que Deus me concedeu através deste bem-aventurado santo, os perigos de que me livrou, tanto do corpo como da alma. Há santos a quem parece que o Senhor deu graça para nos socorrer nesta ou naquela necessidade; quanto a este glorioso santo, tenho experiência de que socorre em todas. O Senhor quer dar-nos a entender que, assim como lhe esteve sujeito na terra – porque, tendo o nome de pai, sendo servo, podia mandar-lhe –, assim, no céu, faz tudo o que ele lhe pede. Foi o que perceberam algumas outras pessoas – a quem eu dizia que se recomendassem a ele –, também por experiência, e, assim, muitas que lhe são devotas experimentaram esta verdade”4.

III. DEPOIS DE UM CERTO TEMPO, uma vez passado o perigo, já nada retinha José naquela terra estranha, mas ali se deixou estar sem outro motivo a não ser o cumprimento fiel da ordem do Anjo:Fica ali até que eu te diga5. E permaneceu no Egito sem se mostrar desgostado nem protestar, sem se intranqüilizar, realizando o seu trabalho como se nunca fosse sair dali.

Como é importante saber permanecer onde se deve, ocupar-se nas obrigações de cada momento, sem ceder à tentação de mudar continuamente de lugar! Também para isso é necessária verdadeira fortaleza, de modo a “saborearmos a virtude humana e divina da paciência”6. “É forte quem persevera no cumprimento do que entende dever fazer, segundo a sua consciência; quem não mede o valor de uma tarefa exclusivamente pelos benefícios que recebe, mas pelo serviço que presta aos outros”7.

Devemos pedir a São José que nos ensine a ser fortes não só em situações extraordinárias e difíceis, como são a perseguição, o martírio ou uma doença gravíssima e dolorosa, mas também nos assuntos ordinários de cada dia: pela constância com que trabalhamos, pelo sorriso com que quebramos a vontade de ficar sérios, pela palavra amável e cordial que temos para todos. Necessitamos de fortaleza para não ceder perante o cansaço, o comodismo ou o desejo de tranqüilidade, para vencer o medo de cumprir deveres que custam. “O homem teme por natureza o perigo, os aborrecimentos e o sofrimento. Por isso é necessário procurar homens valentes não só nos campos de batalha, mas também nos corredores dos hospitais ou junto ao leito da dor”8; em suma, na tarefa de cada dia.

Outro aspecto importante da fortaleza é a firmeza interior necessária para vencer obstáculos mais sutis como a vaidade, a timidez e os respeitos humanos. E são também prova de fortaleza o esquecimento próprio, o não dar excessivas voltas aos problemas pessoais para não exagerá-los, o passar oculto e servir os outros sem que se note.

Na ação apostólica, esta virtude tem muitas manifestações, como por exemplo falar de Deus sem medo do “que dirão” ou de como se ficará perante os outros; comportar-se sempre de um modo cristão, ainda que se entre em choque com um ambiente paganizado; arriscar-se a ter iniciativas que ampliem a base do apostolado e esforçar-se por levá-las à prática.

As mães de família deverão praticar com freqüência a fortaleza comportando-se habitualmente de modo discreto, amável e paciente. Serão então verdadeiramente a rocha firme em que se apóia toda a casa. “A Bíblia não louva a mulher fraca, mas a mulher forte, quando diz no livro dos Provérbios: A lei da doçura está na sua língua (31, 6). Porque a doçura é o ponto mais alto da fortaleza. A mulher maternal tem por privilégio esta função discreta e basilar: saber atender, saber calar-se, ser capaz de fechar os olhos às injustiças ou fraquezas, desculpando-as e cobrindo-as com o manto da compreensão – obra de misericórdia não menos benfazeja do que cobrir a nudez do corpo”9.

Aprendemos hoje de São José a levar para a frente, com energia e firmeza, tudo o que o Senhor nos confia de modo habitual: família, trabalho, atividade apostólica, etc., tendo em conta que os obstáculos são a lei da vida, mas que sempre os podemos vencer com a ajuda da graça.

(1) Mt 2, 13; (2) São João Crisóstomo, Homilias sobre São Mateus, 8, 3; (3) João Paulo I, Angelus, 27-VIII-1978; (4) Santa Teresa, Vida, 6; (5) cfr. Mt 2, 13; (6) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 78; (7) ibid., n. 77; (8) João Paulo II, Sobre a fortaleza, 15-XI-1978; (9) Gertrud von le Fort, A mulher eterna, pág. 128.

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