A oração do Getsêmani | 5ª semana da Quaresma – 6ª feira

I. DEPOIS DA ÚLTIMA CEIA, Jesus e os Apóstolos recitaram os salmos de ação de graças, como era costume. A seguir, a pequena comitiva dirigiu-se a um horto vizinho, chamado das Oliveiras. Jesus tinha prevenido Pedro e os demais Apóstolos de que, nessa noite, todos – de um modo ou de outro – o negariam deixando-o só.

Foram em seguida ao lugar chamado Getsêmani, e Jesus disse aos seus discípulos: Sentai-vos aqui enquanto vou orar. Levou consigo Pedro, Tiago e João; e começou a sentir pavor e a angustiar-se. Disse-lhes: A minha alma está triste até à morte; ficai aqui e vigiai1. Depois afastou-se deles à distância de um tiro de pedra2.

Jesus sente uma enorme necessidade de orar. Detém-se junto de uma pedra e cai abatido: Prostrou-se por terra, escreve São Marcos3. São Lucas diz: Ajoelhou-se4, e São Mateus pormenoriza: prostrou-se com a face por terra5, embora normalmente os judeus rezassem de pé.

Jesus dirige-se ao Pai com uma oração cheia de confiança e ternura, na qual se entrega totalmente a Ele: Meu Pai, diz-lhe, se é possível, afasta de mim este cálice. Não se faça, porém, como eu quero, mas como tu queres. Poucos minutos antes, tinha comunicado aos seus discípulos que se sentia possuído de uma tristeza capaz de lhe causar a morte. Assim sofre Jesus: Ele, que é a própria inocência, carrega sobre si o fardo de todos os pecados dos homens: dos já cometidos, dos que se estavam cometendo naquele momento e dos que se cometeriam até o fim dos tempos.

O Senhor não só se tornou fiador das culpas alheias, mas fez-se uma só coisa conosco, como acontece com a cabeça e o corpo: “Ele quis que as nossas culpas se chamassem suas; por isso não pagou somente com o seu sangue, mas com a vergonha desses pecados”6. Todas estas causas de sofrimento eram captadas em toda a sua intensidade pela alma de Cristo.

Contemplamos em silêncio como Jesus sofre: Entrando em agonia, orava mais intensamente7, e como chega a derramar um suor de sangue. “Jesus, só e triste, sofria e empapava a terra com o seu sangue. De joelhos sobre a terra dura, persevera em oração… Chora por ti… e por mim: esmaga-O o peso dos pecados dos homens”8. Mas a sua confiança no Pai não desfalece, e persevera na oração. Quando parece que o corpo não pode resistir mais, vem um anjo confortá-lo. A natureza humana do Senhor mostra-se nesta cena em toda a sua capacidade de sofrimento.

Na nossa vida, pode haver momentos de luta mais intensa, talvez de escuridão e de dor profunda, em que nos custe aceitar a vontade de Deus e sejamos assaltados pela tentação do desalento. A imagem de Cristo no Horto das Oliveiras há de mostrar-nos então o que devemos fazer: abraçar-nos à vontade de Deus, sem lhe estabelecer limites nem condições de tipo algum, e identificar-nos com o querer de Deus por meio de uma oração perseverante.

“Jesus ora no horto: Pater mi, meu Pai (Mt 26, 39), Abba, Pater, Abba, Pai! (Mc 14, 36). Deus é meu Pai, ainda que me envie sofrimento. Ama-me com ternura, mesmo que me fira. Jesus sofre, para cumprir a Vontade do Pai… E eu, que quero também cumprir a Santíssima Vontade de Deus, seguindo os passos do Mestre, poderei queixar-me se encontro por companheiro de caminho o sofrimento?”9

II. JESUS CONTEMPLA-NOS nessa noite num simples olhar. Vê as almas e os corações à luz da sua sabedoria divina. Desfila diante dos seus olhos o espetáculo de todos os pecados dos homens, seus irmãos. Vê a deplorável oposição de tantos que desprezam a reparação que oferece por eles, a inutilidade em tantos casos do seu sacrifício generoso. Sente uma grande solidão e dor moral pela rebeldia e falta de correspondência ao Amor divino.

Por três vezes procura a companhia na oração daqueles três discípulos. Velai comigo, ficai a meu lado, não me deixeis só, tinha-lhes pedido. E, voltando, achou-os de novo dormindo, pois tinham os olhos carregados e não sabiam o que responder-lhe10. No seu terrível desamparo, Jesus procura talvez um pouco de companhia, de calor humano. Mas os amigos abandonaram o Amigo. Era uma noite para permanecerem velando e orando; e dormem. Ainda não amam bastante, e são vencidos pela debilidade e pela tristeza, deixando Jesus sozinho. O Senhor não encontra apoio neles; tinham sido escolhidos para isso e falharam.

Temos de rezar sempre, mas há momentos em que essa oração deve intensificar-se. Abandoná-la equivaleria a deixar Cristo abandonado e ficar à mercê do inimigo. Por que dormis?, diz-lhes Jesus, e repete-o a cada um de nós. Levantai-vos e orai, para não cairdes em tentação11. Por isso dizemos ao Senhor: “Se vês que durmo, se descobres que a dor me assusta, se notas que fico paralisado ao ver de perto a Cruz, não me abandones! Diz-me, como a Pedro, como a Tiago, como a João, que necessitas da minha correspondência, do meu amor. Diz-me que, para seguir-te, para não tornar a abandonar-te às mãos dos que tramam a tua morte, tenho que vencer o sono, as minhas paixões, o comodismo”12.

A nossa meditação diária, se for verdadeira oração, manter-nos-á vigilantes diante do inimigo que não dorme. E dar-nos-á a coragem de que necessitamos para enfrentar e vencer as tentações e dificuldades. Quem a desleixa cai nas mãos do inimigo, perde a alegria e vê-se sem forças para acompanhar Jesus: “Sem oração, como é difícil acompanhá-Lo!”13; sabemo-lo por experiência. Mas, se nos fizermos fortes pelo nosso relacionamento diário com Ele, poderemos dizer-lhe sem hesitar: Ainda que seja preciso morrer contigo, não te negarei14. Pedro não pôde cumprir a sua promessa naquela noite, entre outros motivos porque não perseverou na oração que o Senhor lhe pedia.

III. A CONTEMPLAÇÃO desta cena da Paixão pode ajudar-nos muito a ser fortes para nunca omitirmos a nossa oração diária e para cumprirmos a Vontade de Deus nas coisas que nos custam. Senhor, não se faça como eu quero, mas como tu queres. “Jesus, o que Tu «quiseres»…, eu o amo”15, dizemos-lhe hoje com uma sinceridade total.

Os santos tiraram muito proveito para as suas almas desta passagem da vida do Senhor. São Tomas More comenta que a oração de Jesus no Horto de Getsêmani fortaleceu muitos cristãos diante de grandes dificuldades e tribulações. Ele também se fortaleceu com a contemplação dessas cenas, enquanto esperava o momento de ser decapitado pela sua fidelidade à fé. Escrevia na prisão: “Cristo sabia que muitas pessoas de constituição débil se encheriam de terror ante a ameaça de serem torturadas, e quis dar-lhes ânimo com o exemplo da sua dor, da sua própria tristeza, do seu abatimento e medo inigualáveis […].

“A quem estiver nessa situação, é como se Cristo se servisse da sua própria agonia para lhe falar com voz vivíssima: Tem coragem, tu que es débil e fraco, e não desesperes. Estás atemorizado e triste, abatido pelo cansaço e pelo temor do tormento. Tem confiança. Eu venci o mundo, e apesar disso sofri muito mais sob o medo, e estava cada vez mais atemorizado à medida que o sofrimento se avizinhava […].

“Olha como caminho à tua frente nesta via cheia de dores. Agarra-te à orla das minhas vestes e sentirás fluir delas um poder que não permitirá que o sangue do teu coração se derrame em vãos temores e angústias; o teu espírito ficará mais alegre, sobretudo quando te lembrares de que segues os meus passos muito de perto – sou fiel e não permitirei que sejas tentado além das tuas forças, antes te darei, juntamente com a prova, a graça necessária para suportá-la –, e alegra o teu ânimo quando te lembrares de que esta tribulação leve e momentânea se converterá num peso de glória imensa”16. Estas palavras foram escritas por alguém que sabia que seria executado poucos dias depois.

Nós podemos fazer hoje o propósito de contemplar muitas vezes, talvez todos os dias, este momento da vida do Senhor, no primeiro mistério doloroso do Santo Rosário. De modo particular, pode ser tema da nossa oração sempre que nos custe um pouco mais saber descobrir a vontade de Deus por trás de acontecimentos que talvez não entendamos. Podemos então rezar com freqüência estas palavras como jaculatória: “Volo quidquid vis, volo quia vis… Senhor, quero o que queres, quero porque o queres, quero como o queres, quero enquanto o quiseres”17.

(1) Mc 14, 32-34; (2) Lc 22, 41; (3) Mc 14, 35; (4) Lc 22, 41; (5) Mt 26, 39; (6) L. de la Palma, La Pasión del Señor, 6ª ed., Palabra, Madrid, 1971, pág. 48; (7) Lc 22, 43; (8) Josemaría Escrivá, Santo Rosário, Iº mist. doloroso; (9) Josemaría Escrivá, Via Sacra, Iª est., n. 1; (10) Mc 14, 40; (11) Lc 22, 46; (12) M. Montenegro, Vía Crucis, pág. 22; (13) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 89; (14) Mc 14, 31; (15) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 773; (16) São Tomás More, A agonia de Cristo; (17) Missal Romano, Ação de graças depois da Missa, oração universal de Clemente XI.

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