Deixar-se ajudar | Oitava de Páscoa – 4ª feira
O EVANGELHO DA MISSA relata-nos outra aparição de Jesus na própria tarde do dia da Páscoa.
Dois discípulos regressam à sua aldeia, Emaús, profundamente desanimados porque Cristo, em quem haviam posto todo o sentido das suas vidas, tinha morrido. O Senhor, como se também Ele estivesse a caminho, alcança-os e junta-se a eles sem ser reconhecido1. A conversa tem um tom entrecortado, como quando se fala enquanto se caminha.
Contam a Jesus o que os preocupa: os acontecimentos ocorridos em Jerusalém na tarde da sexta-feira, que tinham culminado com a morte de Jesus de Nazaré. A crucifixão do Senhor fora uma grave prova para as esperanças de todos aqueles que se consideravam seus discípulos e que, num grau ou noutro, tinham depositado nEle a sua confiança. Tudo se tinha passado com grande rapidez, e ainda estavam muito abalados com o que tinham visto.
A conversa que mantêm com o Senhor revela a imensa tristeza, a desesperança e o desconcerto de que estavam possuídos: Nós esperávamos que fosse ele quem haveria de restaurar Israel, dizem. Falam de Jesus como de uma realidade passada: […]Jesus de Nazaré, que era um profeta poderoso…
“Reparai no contraste. Dizem era!… E, no entanto, têm-no ao seu lado, caminha com eles, está na sua companhia perguntando-lhes pela razão, pelas raízes íntimas da sua tristeza! «Era»… dizem eles. Nós, se fizéssemos um exame sincero e detido da nossa tristeza, dos nossos desalentos, dos nossos altos e baixos, compreenderíamos que estamos incluídos nessa passagem do Evangelho. Verificaríamos que dizemos espontaneamente: «Jesus foi…», «Jesus disse…», porque esquecemos que, como no caminho de Emaús, Jesus está vivo e ao nosso lado agora mesmo. Esta redescoberta aviva a fé, ressuscita a esperança, mostra-nos Cristo como uma felicidade presente: Jesus é, Jesus prefere, Jesus diz, Jesus manda, agora, agora mesmo”2. Jesus vive.
Os dois discípulos sabiam da promessa de Cristo sobre a sua Ressurreição ao terceiro dia, e naquela mesma manhã tinham ouvido as santas mulheres dizer que tinham visto o sepulcro vazio e os anjos; não lhes faltavam luzes suficientes para alimentar a sua fé e a sua esperança. Não obstante, falam de Cristo como de um fato passado, como de uma ocasião perdida. São a imagem viva do desalento. As suas inteligências estão mergulhadas na escuridão e os seus corações embotados.
E é o próprio Cristo – a quem a princípio não reconhecem, mas cuja companhia e conversa acolhem – quem lhes interpreta aqueles acontecimentos à luz das Escrituras. Com toda a paciência, o Senhor devolve-lhes a fé e a esperança. E, com a fé e a esperança, os dois recuperam a alegria e o amor: Não é verdade que o nosso coração se abrasava enquanto ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?3
É possível que nós também mergulhemos alguma vez no desalento e na falta de esperança, ao vermos os defeitos que não acabamos de vencer, as dificuldades na ação apostólica ou no trabalho, que nos parecem insuperáveis… Nessas ocasiões, se nos deixarmos ajudar, Jesus não permitirá que nos afastemos dEle. Talvez seja na direção espiritual, ao abrirmos a alma com sinceridade, que vejamos novamente o Senhor. E com Ele chegam sempre a alegria e os desejos de recomeçar quanto antes: Levantaram-se na mesma hora e voltaram a Jerusalém. Mas é necessário que nos deixemos ajudar, que estejamos dispostos a ser dóceis aos conselhos que recebemos.
II. A ESPERANÇA É A VIRTUDE do caminhante, daquele que, como nós, ainda não chegou à meta, mas sabe que sempre terá ao seu alcance os meios necessários para ser fiel ao Senhor e perseverar na vocação a que foi chamado, no cumprimento dos seus deveres. Mas temos que estar atentos a Cristo, que se aproxima de nós no meio das nossas ocupações, e “agarrar-nos a essa mão forte que Deus nos estende sem cessar, a fim de não perdermos o «ponto de mira» sobrenatural, mesmo quando as paixões se levantam e nos acometem, para nos aferrolharem no reduto mesquinho do nosso eu, ou quando – com vaidade pueril – nos sentimos o centro do universo. Eu vivo persuadido de que, sem olhar para cima, sem Jesus, nunca conseguirei nada; e sei que a minha fortaleza, para me vencer e para vencer, nasce de repetir aquele grito: Tudo posso nAquele que me conforta (Phil IV, 13), que encerra a promessa segura que Deus nos faz de não abandonar os seus filhos, se os seus filhos não o abandonam”4.
Ao longo do Evangelho, o Senhor fala-nos com freqüência de fidelidade: aponta-nos o exemplo do servo fiel e prudente, do criado bom e leal nas menores coisas, do administrador fiel, etc. A idéia da fidelidade está tão enraizada no cristão que bastará o título de “fiéis” para designar os discípulos de Cristo5.
À perseverança opõe-se a inconstância, que incita a desistir facilmente da prática do bem ou do caminho empreendido, quando surgem as dificuldades e as tentações. Opõe-se também, e em primeiríssimo lugar, a soberba, que vai minando os próprios alicerces da fidelidade e debilita a vontade na luta contra os obstáculos; sem humildade, a perseverança torna-se frágil e quebradiça. Opõe-se ainda o meio ambiente, a conduta de pessoas que deveriam ser exemplares e não o são, e, por isso mesmo, parecem querer dar a entender que a fidelidade não é um valor fundamental da pessoa.
Os obstáculos à lealdade aos compromissos adquiridos podem, enfim, ter a sua origem no descuido habitual dos pormenores. O próprio Senhor nos disse: Aquele que for fiel nas pequenas coisas também o será nas grandes6. O cristão que não se desleixa nos pequenos deveres em que se desdobra o seu trabalho profissional, que luta por manter-se na presença de Deus durante a jornada, que guarda com naturalidade os sentidos; o marido que é leal à sua esposa nos pequenos incidentes da vida diária; o estudante que prepara as suas aulas todas os dias…, esses estão a caminho de ser fiéis quando os seus compromissos lhes reclamarem um autêntico heroísmo.
A fidelidade até o fim da vida exige que se saiba recomeçar quando por fragilidade tenha havido algum tropeço, que se persevere no esforço ao longo da vida, ainda que não faltem momentos isolados de covardia ou derrota. A chamada de Cristo exige uma persistência firme e “teimosa”, buscada numa compreensão sempre mais profunda da grandeza e das exigências do caminho que Deus traçou para cada homem.
III. A VIRTUDE DA FIDELIDADE deve estar presente em todas as manifestações da vida do cristão: nas relações com Deus, com a Igreja e com o próximo, no trabalho, nos deveres de estado e de cada um consigo próprio. Acima de tudo, o homem vive a fidelidade em todas as suas formas quando é fiel à sua vocação, e é da sua fidelidade ao Senhor que se deduz – e a ela se reduz – a fidelidade a todos os seus compromissos verdadeiros. Fracassar, pois, na vocação que Deus quis para nós é fracassar em tudo. Quando se quebra a fidelidade ao Senhor, tudo se desconjunta e desmorona. Se bem que, na sua misericórdia, Deus pode recompor tudo, se o homem assim lhe pede humildemente.
Não esqueçamos que é o próprio Deus quem sustenta constantemente a nossa fidelidade, e que Ele conta sempre com a fragilidade da natureza humana, com os seus defeitos e erros. O Senhor está disposto a dar-nos as graças necessárias, como àqueles dois de Emaús, para que continuemos sempre a caminhar, se houver em nós sinceridade de vida e desejos de luta. E diante do aparente fracasso de muitas das nossas tentativas, devemos lembrar-nos de que Deus, mais do que o “êxito”, o que olha com olhos amorosos é o esforço perseverante na luta.
Deste modo, se nos esmerarmos com a ajuda de Deus em ser-lhe fiéis nas constantes batalhas de cada dia, conseguiremos ouvir no fim da nossa vida, com imensa alegria, aquelas palavras do Senhor: Muito bem, servo bom e fiel, já que foste fiel no pouco, eu te confiarei o muito. Vem regozijar-te com o teu Senhor7.
Ao terminarmos a nossa oração, dizemos ao Senhor com os discípulos de Emaús: Fica conosco, porque já é tarde e o dia declinou. Fica conosco, Senhor, porque, sem Ti, tudo é escuridão e a nossa vida carece de sentido. Sem Ti, andamos desorientados e perdidos. E contigo, tudo tem um sentido novo; até a própria morte é uma realidade radicalmente diferente. Mane nobiscum, quoniam advesperascit et inclinata est iam dies. Fica conosco, Senhor…, lembra-nos sempre as coisas essenciais da nossa existência, ajuda-nos a ser fiéis e a saber escutar com atenção o conselho sábio das pessoas em quem Tu te fazes presente no nosso contínuo caminhar para Ti.
“«Fica conosco, porque escureceu…» Foi eficaz a oração de Cléofas e do seu companheiro. – Que pena se tu e eu não soubéssemos «deter» Jesus que passa! Que dor, se não lhe pedimos que fique!”8
(1) Lc 24, 13-35; (2) A. G. Dorronsoro, Dios y la gente, Rialp, Madrid, 1973, pág. 103; (3) Lc 24, 32; (4) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 213; (5) cfr. At 10, 45; 2 Cor 6, 15; Ef 1, 1; (6) Lc 16, 10; (7) Mt 25, 21-23; (8) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 671.
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