Festa da Natividade de Nossa Senhora

Temos notícia desta festa de Nossa Senhora há muitos séculos. Foi comemorada primeiro no Oriente e depois em toda a Igreja. É uma festa cheia de alegria, pois celebramos o nascimento dAquela que seria a Mãe de Deus e também Mãe nossa. A sua chegada ao mundo é o anúncio da proximidade da Redenção. Muitas nações e cidades, sob diversas invocações, celebram hoje a sua Padroeira.

I. CELEBREMOS COM ALEGRIA o nascimento da Virgem Maria: por Ela nos veio o Sol da justiça, Cristo, nosso Deus1.

O convite dos textos litúrgicos à alegria é constante desde os antiquíssimos começos desta festa2. É lógico que seja assim: se a família, os amigos e vizinhos se alegram quando nasce uma criança, e se os aniversários são celebrados com júbilo, como não havemos de encher-nos de alegria ao comemorarmos o nascimento da nossa Mãe?

Este acontecimento feliz indica que o Messias já está próximo: Maria é a Estrela da manhã que, na aurora que precede a saída do sol, anuncia a chegada do Salvador, o Sol da justiça na história do gênero humano3. “Convinha – escreve um antigo escritor sagrado – que a fulgurante e surpreendente vinda de Deus aos homens fosse precedida por algum acontecimento que nos preparasse para receber com alegria o grande dom da salvação. E este é o significado da festa de hoje, já que a natividade da Mãe de Deus é o exórdio de todo esse cúmulo de bens. Portanto, cante e dance toda a criação e contribua com algo digno do júbilo deste dia. Que se juntem os céus e a terra nesta celebração, e que a festeje tudo quanto há no mundo e acima do mundo”4.

A liturgia da Missa de hoje aplica à Virgem recém-nascida a passagem da Epístola aos Romanos5 em que São Paulo descreve a misericórdia divina que escolhe os homens para um destino eterno: Maria, desde toda a eternidade, é predestinada pela Santíssima Trindade para ser a Mãe de Deus. Para isso, foi adornada de todas as graças. “Inegavelmente, a alma de Maria foi a mais bela que Deus criou. Depois da Encarnação do Verbo, foi esta a obra mais formosa e mais digna de Si que o Onipotente levou a cabo neste mundo”6.

A graça de Maria no momento da sua concepção ultrapassou as graças de todos os santos e anjos juntos, pois Deus dá a cada um a graça que corresponde à sua missão neste mundo7. A imensa graça de Maria foi suficiente e proporcionada à singular dignidade a que Deus a tinha chamado desde toda a eternidade8. Maria foi tão grande em santidade e beleza – afirma São Bernardo –, que não convinha que Deus tivesse outra Mãe, como também não convinha que Maria tivesse outro Filho a não ser o próprio Deus9. E São Boaventura afirma que Deus podia ter feito um mundo maior, mas não podia ter feito uma Mãe mais perfeita do que a Mãe de Deus10.

Recordemos hoje que recebemos de Deus uma chamada à santidade, para cumprirmos uma missão concreta no mundo. Ao contemplarmos a plenitude de graça e a beleza de Nossa Senhora, também devemos pensar que Deus nos dá a cada um as graças necessárias e suficientes, sem que falte uma só, para levarmos a cabo a nossa vocação específica no meio do mundo. Podemos considerar também que é lógico que desejemos festejar o aniversário do nosso nascimento porque Deus quis expressamente que nascêssemos, e porque nos chamou a um destino eterno de felicidade.

II. EXULTE, Ó DEUS, a vossa Igreja […], pois nos alegramos pelo nascimento de Maria, que foi para o mundo inteiro esperança e aurora da salvação11.

Quantos anos celebra hoje a nossa Mãe?… Para Ela, o tempo já não passa, porque alcançou a plenitude da idade, essa juventude eterna e plena que nasce da participação na juventude de um Deus que, conforme diz Santo Agostinho, “é mais jovem do que todos”12, precisamente por ser eterno e imutável. Talvez tenhamos podido ver de perto a alegria e a juventude interior de alguma pessoa santa, e contemplar como, de um corpo que carregava o peso dos anos, brotava uma juventude de coração com uma energia e uma vida irreprimíveis. Essa juventude interior é tanto mais profunda quanto maior a união com Deus. Maria, por ser a criatura que mais intimamente se uniu a Ele, é certamente a mais jovem de todas as criaturas. Nela, juventude e maturidade confundem-se, como também em nós, quando caminhamos a direito ad Deum, qui laetificat iuventutem meam, para Deus que nos rejuvenesce cada dia por dentro e, com a sua graça, nos inunda de alegria13.

Desde a sua adolescência, a Virgem possuiu uma maturidade interior plena e proporcionada à sua idade. Agora, no Céu, com a plenitude de graça – a inicial e a que alcançou com os seus méritos, unindo-se à obra do seu Filho –, contempla-nos e presta ouvidos aos nossos louvores e súplicas. Hoje escuta o nosso canto de ação de graças a Deus por tê-la criado; olha-nos e compreende-nos porque Ela – depois de Deus – é quem mais sabe da nossa vida, das nossas fadigas, dos nossos anseios14.

Quando nasce um filho, todos os pais pensam que é incomparável. É o que muito naturalmente devem ter pensado São Joaquim e Santa Ana quando Maria nasceu, e não se enganaram: todas as gerações a chamariam bem-aventurada… “Joaquim e Ana não podiam suspeitar naquele dia o que havia de ser aquele fruto do seu casto amor. Nunca se sabe. Quem pode dizer o que será uma criatura recém-nascida? Nunca se sabe…”15 Cada uma é um mistério de Deus, que vem ao mundo com uma missão específica do Criador.

A festa de hoje leva-nos a olhar com profundo respeito a concepção e o nascimento de todo o ser humano, a quem Deus deu o corpo através dos pais e infundiu uma alma imortal e irrepetível, criada diretamente por Ele no momento da concepção. “A grande alegria que como fiéis experimentamos pelo nascimento da Mãe de Deus […] comporta ao mesmo tempo, para todos nós, uma grande exigência: devemos sentir-nos felizes quando se forma uma criança no seio de uma mãe e quando vê a luz do mundo. Mesmo quando o recém-nascido exige renúncias, limitações, sobrecargas, sempre deverá ser acolhido e sentir-se protegido pelo amor de seus pais”16. Todo o ser humano concebido é chamado a ser filho de Deus, a dar-lhe glória e a gozar de um destino eterno e feliz.

Deus Pai, ao contemplar Maria recém-nascida, alegrou-se com uma alegria infinita ao ver uma criatura humana sem o pecado original, cheia de graça, puríssima e destinada a ser a Mãe do seu Filho eternamente. Ainda que Deus tenha concedido a São Joaquim e Santa Ana uma alegria particular, como participação da graça derramada sobre a sua filha, o que teriam sentido se, ao menos de longe, tivessem vislumbrado o destino daquela criatura que vinha ao mundo como as outras? Em outra ordem, também nós não podemos fazer ideia da incomensurável eficácia da nossa passagem pela terra, se formos fiéis às graças recebidas para levarmos a cabo a nossa vocação, outorgada por Deus desde toda a eternidade.

III. NENHUM acompanhou o nascimento de Maria, e os Evangelhos nada dizem a esse respeito. Nasceu talvez numa cidade da Galiléia, provavelmente na própria Nazaré, e naquele dia nada se revelou aos homens. O mundo continuou a dar importância a outros acontecimentos que depois seriam completamente apagados da face da terra sem deixar o menor rasto. Com frequência, as coisas importantes para Deus passam desapercebidas aos olhos dos homens, que sempre procuram o extraordinário para enfrentarem a sua existência. Só no Céu é que houve festa, e festa grande.

Depois, durante muitos anos, a Virgem passou inadvertida. Todo o povo de Israel esperava essa donzela anunciada na Escritura17, e não sabia que Ela já vivia entre os homens. Externamente, não se distinguia em nada das outras mulheres. Tinha vontade, queria, amava com uma intensidade que nos é difícil abarcar, com um amor que em todas as coisas se amoldava à vontade de Deus. Tinha entendimento para compreender os mistérios que ia descobrindo pouco a pouco, a perfeita relação que havia entre eles, as profecias que falavam do Redentor…; e entendimento para aprender como fiar ou cozinhar… E tinha memória – guardava as coisas no seu coração18 – e passava de umas recordações para outras, valia-se de referências concretas. Possuía ainda uma imaginação viva, que a fez ter uma vida cheia de iniciativas e de singela perspicácia para servir os outros e tornar-lhes a vida mais amável. Deus contemplava-a cheio de amor, ocupada nos pequenos afazeres de cada dia, e alegrava-se com imenso júbilo ao vê-la realizar essas tarefas desprovidas de relevo.

A sua vida tão cheia de normalidade ensina-nos a agir de tal maneira que saibamos ocupar-nos nas nossas tarefas diárias sempre de olhos postos em Deus: que saibamos servir os outros sem alarde, sem fazer valer constantemente os nossos direitos ou os privilégios que nós mesmos nos arrogamos, que saibamos terminar bem o trabalho que temos entre mãos…

Se imitarmos Nossa Senhora, aprenderemos a dar valor às pequenas coisas dos dias sempre iguais, a dar sentido sobrenatural às nossas ações, que talvez ninguém vê: limpar uns móveis, corrigir uns dados no computador, arrumar a cama de um doente, procurar as referências precisas para dar bem uma aula que estamos preparando… É um conjunto de trivialidades que, vividas com amor, atraem a misericórdia divina e aumentam continuamente a graça santificante na alma. Maria é o exemplo perfeito desta entrega diária, “que consiste em fazer da nossa vida uma oferenda ao Senhor”19.

Sob diversas invocações, muitas cidades e nações celebram hoje esta festa, com uma intuição certeira, pois “se Salomão – ensina São Pedro Damião – celebrou solenemente com todo o povo de Israel um sacrifício tão copioso e magnífico para comemorar a dedicação do templo material, qual e quanta não será a alegria do povo cristão ao celebrar o nascimento da Virgem Maria, em cujo seio, como num templo sacratíssimo, desceu o próprio Deus em pessoa para dela receber a natureza humana, dignando-se viver visivelmente entre os homens?”20 Não deixemos de festejar a data de hoje com essas delicadezas que são próprias dos bons filhos.

(1) Antífona de entrada; (2) cfr. J. Pascher, El año liturgico, BAC, Madrid, 1965, pág. 689; (3) cfr. João Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, 25-III-1987, 3; (4) Liturgia das Horas, Segunda leitura; Santo André de Creta, Dissertações, 1; (5) Rom 8, 28-30; (6) Santo Afonso Maria de Ligório, As glórias de Maria, II, 2; (7) cfr. São Tomás, Suma Teológica, III, q. 27, a. 5, ad. 1; (8) cfr. ib., III, q. 7, a. 10, ad. 1; (9) cfr. São Bernardo, Sermão 4 na Assunção da Beatíssima Virgem Maria, 5; (10) São Boaventura, Speculum, 8; (11) Missal Romano, Oração depois da comunhão; (12) Santo Agostinho, Homilias sobre o Gênesis, 8, 26, 48; (13) Sl 42, 4; (14) cfr. A. Orozco, En torno a Maria, Rialp, Madrid, 1975, pág. 8; (15) ib., pág. 9; (16) João Paulo II, Angelus em Liechtenstein, 8-IX-1985; (17) Gên 3, 15; Is 7, 14; (18) Lc 2, 51; (19) João Paulo II, Discurso ao Congresso Mariano internacional de Saragoça, 12-X-1979; (20) São Pedro Damião, Sermão 45, 4.

 

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