Festa de São Lucas Evangelista
O Evangelista São Lucas nasceu em Antioquia, no seio de uma família pagã. Era médico, como se depreende de muitos indícios, e converteu-se à fé por volta do ano 40. Acompanhou São Paulo na sua segunda viagem e esteve ao seu lado na última etapa da vida do Apóstolo. Autor do terceiro Evangelho e dos Atos dos Apóstolos, é o Evangelista que melhor nos deu a conhecer a infância de Jesus e foi ele quem registrou algumas das parábolas mais comovedoras da misericórdia divina.
I. COMO SÃO BELOS sobre os montes os passos daquele que anuncia a paz, trazendo a boa-nova e proclamando a salvação!1
Temos que agradecer hoje a São Lucas que seja para nós um bom mensageiro que anuncia a paz, que traz a boa-nova, pois foi um fiel instrumento nas mãos do Espírito Santo. Transmitiu-nos um maravilhoso Evangelho e a história da primitiva cristandade nos Atos dos Apóstolos, movido pela graça da inspiração divina, mas também mediante o esforço humano de um trabalho bem feito, pois a ajuda de Deus não suplanta o empenho humano. Ele mesmo nos diz que redigiu a sua obra depois de ter investigado diligentemente tudo desde o princípio e que o fez de forma ordenada2, não de qualquer maneira. Isto significa que procurou cuidadosamente fontes de primeira mão, muito provavelmente a Virgem, os Apóstolos e até as pessoas que ainda viviam e que foram protagonistas dos milagres, acontecimentos e relatos… Sublinha expressamente que registra essas notícias como no-las referiram os que desde o princípio foram testemunhas oculares3. O seu próprio estilo literário – assim o faz notar São Jerônimo – indica como eram seguras as fontes de que se nutriu4. Graças a esse esforço e à sua correspondência às graças que recebeu do Espírito Santo, hoje podemos ler, maravilhados, as narrativas da infância de Jesus, algumas belíssimas parábolas que apenas ele registra, como a do filho pródigo, a do bom samaritano, a do administrador infiel, a do pobre Lázaro… Também é de São Lucas o relato da aparição do Senhor ressuscitado aos dois discípulos de Emaús, um relato cheio de finura e acabado nos seus menores detalhes.
Nenhum dos Evangelistas nos mostra a misericórdia divina para com os mais necessitados como o faz São Lucas. Ressalta o amor de Jesus pelos pecadores, pois Ele veio buscar e salvar o que tinha perecido5, relata o perdão à mulher pecadora6, a refeição na casa de um pecador como Zaqueu7, o olhar de Jesus que transforma o coração de Pedro depois das negações8, a promessa do Reino ao ladrão arrependido9, a oração pelos que insultam e crucificam o Senhor no Calvário10…
As mulheres e o empenho de Jesus por devolver-lhes a sua dignidade, pouco considerada naquele tempo, ocupam um lugar muito importante no seu Evangelho: a viúva de Naim11, a pecadora arrependida12, as mulheres galiléias que põem os seus bens à disposição de Jesus e o seguem13, as visitas do Senhor a casa das duas irmãs de Betânia14, a cura de uma mulher encurvada15, as mulheres de Jerusalém que se mostram compassivas com Jesus no caminho do Calvário16…, são todas figuras mencionadas e realçadas apenas por este Evangelista.
É muito o que temos de agradecer hoje a São Lucas. Numa carta figurada ao Evangelista, escreve aquele que mais tarde seria João Paulo I: “És o único que nos oferece um relato do nascimento e infância de Cristo, cuja leitura escutamos sempre com renovada emoção no Natal. Há, sobretudo, uma frase tua que me chama a atenção: …e o enfaixou e reclinou numa manjedoura. Esta frase deu origem a todos os presépios do mundo e a milhares de quadros preciosos”17. Permitiu que acompanhássemos tantas vezes a Sagrada Família em Belém e na sua vida cotidiana entre os seus conterrâneos de Nazaré.
Podemos deter-nos hoje a considerar a perfeição humana com que o nosso trabalho deve ser realizado, ainda que aparentemente não tenha importância. As obras bem feitas permanecem e é mais fácil oferecê-las a Deus, que as acolhe como um dom. O trabalho realizado com pouco esforço, sem interesse, sem nenhum cuidado com os pormenores, não merece ser humano, e não permanecerá nem diante de Deus nem diante dos homens. Vejamos hoje como levamos a cabo as tarefas que temos entre mãos, que são o que devemos oferecer todos os dias ao Senhor.
II. O GRANDE AMOR que temos a Nossa Senhora move-nos hoje a dar graças ao santo Evangelista por ter sabido apresentar a grandeza e a formosura da alma de Maria com uma fina delicadeza. Foi por isso que lhe deram desde tempos muito remotos o título de pintor da Virgem18, e é por isso que muitos lhe atribuem a autoria de algumas imagens e pinturas de Nossa Senhora. Em qualquer caso, o seu Evangelho é fundamental para o conhecimento e a devoção à Virgem, e tem servido de inspiração a uma boa parte da arte cristã. Nenhum personagem da história evangélica – excluído Jesus, naturalmente – é descrito com tanto amor e admiração como Santa Maria.
Inspirado pelo Espírito Santo, São Lucas revela-nos os dons e a fiel correspondência da Santíssima Virgem: Ela é a cheia de graça, o Senhor está com Ela; concebeu por obra do Espírito Santo e foi Mãe de Jesus sem deixar de ser Virgem; intimamente unida ao mistério redentor da Cruz, será abençoada por todas as gerações, pois o Todo-Poderoso fez nEla grandes coisas. Com razão, uma mulher do povo louvou-a entusiasmada e de forma muito expressiva19. A sua fidelíssima correspondência é também retratada pelo Evangelista: recebe com humildade o anúncio do Arcanjo sobre a sua dignidade de Mãe de Deus; aceita rendidamente os planos divinos; apressa-se a ajudar os outros… Por duas vezes20 vemo-la a ponderar as coisas no seu coração… São conhecimentos que apenas Nossa Senhora pôde ter transmitido ao Evangelista, em momentos em que lhe abriu a sua intimidade.
Neste caminho das coisas bem feitas, acabadas com perfeição, peçamos a São Lucas que saibamos dar a conhecer à nossa volta a devoção à Virgem, a riqueza quase infinita da sua alma, como ele o fez.
III. HONREMOS A MEMÓRIA de São Lucas contemplando a atraente e alentadora figura do Salvador que ele nos apresenta. E peçamos-lhe, ao lermos e meditarmos os Atos dos Apóstolos – o Evangelho do Espírito Santo, como foi chamado –, a alegria e o espírito apostólico dos nossos primeiros irmãos na fé.
Segundo um antigo costume cristão, quando alguém se encontrava num aperto ou a braços com uma dúvida, abria o Evangelho e lia o primeiro versículo que lhe caísse debaixo dos olhos. Muitas vezes, não encontrava a resposta adequada, mas sempre encontrava paz e serenidade; tinha entrado em contacto com Jesus: Saía dEle uma virtude que curava a todos21, comenta em certa ocasião o Evangelista. E essa virtude continua a sair de Jesus sempre que entramos em contacto com Ele.
A obra de São Lucas, inspirada por Deus, ensina-nos a cultivar uma relação direta com o Senhor, anima-nos a recorrer freqüentemente à sua misericórdia, a tratá-lo como Amigo fiel que deu a sua vida por nós. Ao mesmo tempo, permite-nos entrar em cheio no mistério de Jesus, especialmente hoje que circulam tantas e tão confusas idéias sobre o tema mais transcendente para toda a humanidade desde há vinte séculos: Jesus Cristo, Filho de Deus, pedra angular, fundamento de todos os homens.
Nenhum livro tem a virtude de aproximar-nos tanto de Deus como os que foram escritos sob a própria inspiração divina. Por isso, devemos aprender no Santo Evangelho o eminente conhecimento de Jesus Cristo22, como dizia São Paulo aos Filipenses, “pois desconhecer a Escritura é desconhecer Cristo”23.
O Evangelho deve ser o primeiro livro do cristão, porque nos é imprescindível conhecer Jesus Cristo; temos de lê-lo e contemplá-lo até sabermos de cor todos os traços da figura do Senhor. “Quando abrires o Santo Evangelho, pensa que não só deves saber, mas viver o que ali se narra: obras e ditos de Cristo. Tudo, cada ponto que se relata, foi registrado, detalhe por detalhe, para que o encarnes nas circunstâncias concretas da tua existência.
“– O Senhor chamou-nos, a nós católicos, para que O seguíssemos de perto; e, nesse Texto Santo, encontras a Vida de Jesus; mas, além disso, deves encontrar a tua própria vida.
“Aprenderás a perguntar tu também, como o Apóstolo, cheio de amor: «Senhor, que queres que eu faça?…» A Vontade de Deus!, ouvirás na tua alma de modo terminante.
“Pois bem, pega no Evangelho diariamente, e lê-o e vive-o como norma concreta. – Assim procederam os santos”24.
São Lucas, que tantas vezes deve ter meditado nos episódios que relata, ensinar-nos-á a amar o Santo Evangelho, como faziam os primeiros cristãos. Nele encontraremos “o alimento da alma, a fonte límpida e perene da vida espiritual”25.
(1) Is 52, 7; Antífona de entrada da Missa do dia 18 de outubro; (2) cfr. Lc 1, 3; (3) Lc 1, 2; (4) cfr. São Jerônimo, Epístola 20, 4; (5) Lc 19, 10; (6) Lc 7, 36-50; (7) Lc 19, 1-10; (8) Lc 22, 61; (9) Lc 23, 42; (10) Lc 23, 34; (11) Lc 7, 11-17; (12) Lc 7, 36-50; (13) Lc 8, 1-3; (14) Lc 10, 38-42; (15) Lc 13, 10-17; (16) Lc 23, 27-32; (17) A. Luciani, Ilustríssimos senhores; (18) Eusébio, História eclesiástica, II, 43; (19) cfr. Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos, Eds. Theologica, Braga, Introdução a São Lucas; (20) Lc 2, 19; 51; (21) cfr. Mc 6, 56; (22) Fil 3, 8; (23) São Jerônimo, Comentários sobre o Profeta Isaías; prol. 17; (24) Josemaría Escrivá, Forja, n. 754; (25) Conc. Vat. II, Const. Dei Verbum, 21.
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