Ide por todo mundo | Oitava da Páscoa – sábado

 A RESSURREIÇÃO DO SENHOR é um apelo ao apostolado até o fim dos tempos. Cada uma das aparições de Cristo ressuscitado termina com a atribuição de uma tarefa apostólica. Jesus diz a Maria Madalena: …Vai aos meus irmãos e diz-lhes: Subo para meu Pai e vosso Pai1; e às outras mulheres: Ide e dizei aos meus irmãos que se dirijam à Galiléia, pois é lá que me verão2. Os próprios discípulos de Emaús sentem a necessidade de comunicar aos demais, naquela mesma noite, que Cristo vive3. No Evangelho da Missa de hoje, São Marcos relata-nos a grande missão que Cristo confia aos Apóstolos e que permanecerá vigente para sempre: Por fim apareceu aos onze, quando estavam sentados à mesa […]. E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a todas as criaturas4.

A partir de então, os Apóstolos começaram a dar testemunho do que viram e ouviram, e a pregar no nome de Jesus a penitência e a remissão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém5. Não pregam nem certificam especulações, mas fatos salvíficos de que foram testemunhas. Quando Judas morreu e foi necessário substituí-lo para completar o número dos Apóstolos, exigiu-se como condição que o escolhido tivesse testemunhado a Ressurreição6.

A Igreja inteira estava representada naqueles Onze. Neles, todos os cristãos de todos os tempos receberam a feliz missão de comunicar aos que encontrassem no seu caminho que Cristo vive, que nEle foram vencidos o pecado e a morte, que Ele nos convida a partilhar da vida divina, que todos os nossos males têm solução… Foi o próprio Cristo que nos deu esse direito e esse dever. “A vocação cristã é, pela sua própria natureza, vocação apostólica”7, e “todos os fiéis, do Papa até o último batizado, participam da mesma vocação, da mesma fé, do mesmo Espírito, da mesma graça […]. Todos participam ativa e corresponsavelmente […] da única missão de Cristo e da Igreja”8.

Ninguém nos deve impedir o exercício deste direito e o cumprimento deste dever. A primeira leitura da Missa de hoje relata-nos a reação dos Apóstolos quando os sumos sacerdotes e os doutores os proibiram terminantemente de pregar e ensinar no nome de Jesus. Pedro e João replicaram: Julgai vós mesmos se é justo diante de Deus obedecermos a vós mais do que a Deus. Não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos9.

Nós também não podemos ficar calados. A ignorância à nossa volta é muito grande, como é grande também o erro e incontáveis os que andam perdidos e desorientados por não conhecerem o Senhor. Devemos comunicar a todas as pessoas do nosso meio a fé e a doutrina que recebemos. “Não se acende a luz para colocá-la debaixo de um alqueire, mas sobre um candeeiro, a fim de que alumie todos os da casa; assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de maneira que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus. E, no final da sua passagem pela terra, Ele ordena: Euntes docete – ide e ensinai. Quer que a sua luz brilhe na conduta e na palavra dos seus discípulos – nas tuas também”10.

II. QUANDO, CHEIOS DE VALENTIA, os Apóstolos começaram a ensinar a verdade sobre Cristo, começaram também os obstáculos, e mais tarde a perseguição e o martírio. Mas em pouco tempo a fé em Cristo ultrapassaria as fronteiras da Palestina e alcançaria a Ásia Menor, a Grécia e a Itália, chegando a homens de todas as culturas, posições sociais e raças.

Nós também devemos contar com as incompreensões, que são sinal certo de predileção divina e de que seguimos os passos do Senhor, pois não é o discípulo mais do que o Mestre11. Recebê-las-emos com alegria, como algo permitido por Deus; acolhê-las-emos como oportunidades de atualizar a fé, a esperança e o amor; ajudar-nos-ão a intensificar a oração e a mortificação, persuadidos de que a oração e o sacrifício sempre dão fruto12, pois os eleitos do Senhor não trabalharão em vão13. E sempre trataremos bem os outros, com compreensão, afogando o mal em abundância de bem14.

Não devemos estranhar que em muitas ocasiões tenhamos que remar contra a corrente num mundo que parece afastar-se cada vez mais de Deus, que tem como fim o bem-estar material e que desconhece ou relega para segundo plano os valores espirituais; num mundo que alguns querem construir completamente de costas para Deus. À profunda e desmedida atração que os bens materiais exercem sobre os que perderam todo o contacto com Deus, acrescenta-se o mau exemplo de alguns cristãos que, “por negligência na sua educação religiosa, ou por uma exposição falaz da doutrina, ou mesmo pelas faltas que cometem na sua vida religiosa, moral e social, se poderia dizer que mais velam do que revelam a face genuína de Deus e da religião”15.

O campo em que os Apóstolos e os primeiros cristãos tinham que lançar a semente era um terreno duro, com abrolhos, cardos e espinhos. Não obstante, a semente que espalharam frutificou abundandemente. Numas terras deu cem, noutras sessenta, noutras trinta. Basta que haja uma pequena correspondência, por menor que seja, para que o fruto não se faça esperar, pois a semente é de Deus, e é Ele quem faz crescer a vida divina nas almas16. Cabe-nos o trabalho apostólico de preparar essas almas: em primeiro lugar, mediante a oração, a mortificação e as obras de misericórdia, que sempre atraem o favor divino; depois, pela amizade, pela compreensão e pelo exemplo.

O Senhor espera que estejamos dispostos a recristianizar o mundo, na família, na Universidade, na fábrica, nas mais diversas associações: Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura, continua a dizer-nos o Senhor. Estamos numa época em que Cristo necessita de homens e mulheres que saibam estar junto da Cruz, que sejam fortes, audazes, trabalhadores, sem respeitos humanos à hora de fazer o bem, alegres, que tenham como alicerce das suas vidas a oração, um trato cheio de amizade com Cristo.

O Senhor conta com os nossos propósitos de sermos melhores, de lutar mais contra os defeitos e contra tudo aquilo que, por ínfimo que seja, nos separe dEle; conta com um apostolado intenso entre as pessoas com quem nos relacionamos mais freqüentemente. Devemos pensar agora se à nossa volta, como acontecia com os primeiros cristãos, há um bom grupo de pessoas que se estão aproximando mais firmemente de Deus. Devemos perguntar-nos se a nossa vida influi – para bem – naqueles que estão ligados a nós por laços de amizade, de trabalho, de parentesco.

III. A IGREJA NASCE do mistério pascal de Cristo e apresenta-se aos homens do seu tempo com uma aparência pequena, à semelhança do fermento, mas dotada de uma força divina capaz de transformar o mundo e torná-lo mais humano e mais próximo do seu Criador. Nos nossos dias, também há muitos homens de boa vontade que têm correspondido às freqüentes chamadas do sucessor de Pedro para darem luz a tantas consciências que caminham na escuridão em terras onde em outros tempos se amava a Cristo e hoje apenas se traz o seu nome.

Como fizeram os primeiros cristãos, “o que verdadeiramente importa é procurar as almas uma a uma, para aproximá-las de Deus”17. Para isso, nós mesmos devemos estar muito perto do Senhor, unidos a Ele como o sarmento à videira18. Sem santidade pessoal, não é possível nenhuma ação apostólica, e o fermento vivo converte-se em massa inerte; seríamos absorvidos pelo ambiente de absoluta indiferença que com frequência encontramos naqueles que talvez em outros tempos tenham sido bons cristãos.

A primeira leitura da Missa diz-nos que os sumos sacerdotes, os anciãos e os escribas estavam surpreendidos vendo a coragem de Pedro e de João, pois sabiam que eram homens sem estudos e sem instrução. Descobriram que eles tinham sido companheiros de Jesus19. Vemos os Apóstolos mostrarem-se seguros, sem complexos, otimistas, com o otimismo que decorria de serem amigos de Cristo.

Se estiver unido ao Senhor, o cristão será sempre otimista, “com um otimismo sobrenatural que se enraiza na fé, que se alimenta da esperança e a que o amor empresta asas […]. Fé: evitai o derrotismo e as lamentações estéreis sobre a situação religiosa dos vossos países, e aplicai-vos a trabalhar com empenho, arrastando […] muitas outras pessoas. Esperança: Deus não perde batalhas (Josemaría Escrivá, passim) […]. Se os obstáculos são grandes, também é mais abundante a graça divina: Ele os removerá, servindo-se de cada um de vós como de uma alavanca. Caridade: trabalhai com muita retidão, por amor a Deus e às almas. Tende carinho e paciência com o próximo, procurai novos modos de atuar, iniciativas novas: o amor aguça o engenho. Aproveitai todos os meios […] para esta tarefa de edificar uma sociedade mais cristã e mais humana”20.

Santa Maria, Rainha dos Apóstolos, acender-nos-á na fé, na esperança e no amor do seu Filho para que colaboremos eficazmente, no nosso próprio ambiente e com base nele, na tarefa de recristianizar o mundo de hoje, tal como o Papa nos pede. Continuam a ecoar nos nossos ouvidos as palavras do Senhor: Ide por todo o mundo…Naquele tempo, eram somente onze homens; agora somos muitos mais… Peçamos a fé e o amor daqueles Onze.

(1) Jo 20, 17; (2) Mt 28, 10; (3) cfr. Lc 24, 35; (4) Mc 14, 15-16; (5) cfr. Lc 24, 44-47; (6) cfr. At 1, 21-22; (7) Conc. Vat. II, Decr. Apostolicam actuositatem, 2; (8) A. del Portillo, Fieles y laicos en la Iglesia, EUNSA, Pamplona, 1969, pág. 38; (9) At 4, 20; (10) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 930; (11) Mt 10, 24; (12) cfr. Josemaría Escrivá, Caminho, n. 694-697; (13) Is 65, 23; (14) cfr. Rom 12, 21; (15) cfr. Conc. Vat. II, Const. Gaudium et spes, 19; (16) cfr. 1 Cor 3, 6; (17) A. del Portillo, Carta pastoral, 25-XII-1985, n. 9; (18) cfr. Jo 15, 5; (19) At 4, 13; (20) A. del Portillo, ib., n. 10.

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