Mãe de Misericórdia

Uma grande multidão seguia Jesus, e todos estavam tão atentos à sua doutrina que se foram afastando das cidades e aldeias sem terem levado nada que comer. O Senhor chamou então os seus discípulos e disse-lhes: Tenho compaixão da multidão, porque já há três dias que me seguem e não têm o que comer; se eu os despedir em jejum para suas casas, desfalecerão pelo caminho, pois alguns deles vieram de longe1. A compaixão misericordiosa que domina o coração de Jesus levá-lo-á a repetir o extraordinário milagre da multiplicação dos pães e dos peixes.

Nós devemos recorrer freqüentemente à misericórdia divina, porque da sua compaixão por nós dependem a nossa salvação e a nossa segurança. Esse é o caminho para atrairmos mais prontamente a ajuda de Deus.

Santo Agostinho ensina que a misericórdia é um sentimento que nasce do coração e tem por objeto as misérias alheias, corporais ou espirituais, de tal modo que elas nos doem e entristecem como se fossem próprias, levando-nos a empregar na medida do possível os meios oportunos para tentar aliviá-las2. Esta disposição do coração está em Deus na sua perfeição infinita, e por isso a Sagrada Escritura diz que Deus é rico em misericórdia3 e que “glorifica-o muito mais tirar o bem do mal do que criar do nada algo novo; converter um pecador, dando-lhe a vida da graça, é muito mais do que criar do nada todo o universo físico, o céu e a terra”4.

Jesus Cristo, Deus feito homem, é a plena expressão da misericórdia divina, manifestada de muitas maneiras ao longo da história da salvação. O Senhor entregou-se na Cruz, num ato supremo de Amor misericordioso, e agora exerce esse amor compassivo do Céu e no Sacrário, onde nos espera para que lhe exponhamos todas as nossas necessidades. O nosso Pontífice não é tal que não possa compadecer-se das nossas fraquezas […]. Aproximemo-nos, pois, com toda a confiança do trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para sermos socorridos no tempo oportuno5. Que frutos de santidade não produz na alma a meditação freqüente deste convite divino!

A nossa Mãe Santa Maria alcança-nos continuamente a compaixão do seu Filho e ensina-nos o modo de nos comportarmos em face das necessidades próprias e alheias. Quantas vezes não lhe teremos suplicado, particularmente aos sábados, cantando-lhe ou rezando-lhe como se vem fazendo há séculos: Salve Rainha, Mãe de Misericórdia…

Maria “é aquela que conhece mais a fundo o mistério da misericórdia divina. Conhece o seu preço e sabe como é elevado. Neste sentido, chamamo-la Mãe de misericórdia, Nossa Senhora da Misericórdia ou Mãe da divina misericórdia. Em cada um desses títulos encerra-se um profundo significado teológico, porque todos eles exprimem a particular preparação da sua alma, de toda a sua pessoa, que lhe permitiu ver – primeiro, através dos complexos acontecimentos de Israel, e, depois, daqueles que dizem respeito a cada um dos homens e à humanidade inteira – aquela misericórdia da qual todos participamos, segundo o eterno desígnio da Santíssima Trindade, de geração em geração (Lc 1, 50)”6.

Em Maria, a misericórdia une-se à piedade de mãe; Ela nos conduz sempre ao trono da graça. O título de Mãe de Misericórdia, alcançado com o seu fiat – faça-se – em Nazaré e no Calvário, é um dos seus maiores e mais belos nomes. Maria é o nosso consolo e a nossa segurança: “Com o seu amor maternal, cuida dos irmãos do seu Filho que ainda peregrinam e se acham em perigos e ansiedades até que sejam conduzidos à pátria celestial. Por este motivo, a Santíssima Virgem é invocada na Igreja com os títulos de Advogada, Auxiliadora, Socorro, Medianeira”7. Nem um só dia a Virgem deixou de ajudar-nos, de proteger-nos, de interceder pelas nossas necessidades.

II. O TÍTULO DEMãe de Misericórdia expressou-se tradicionalmente através das diversas invocações da ladainha do Rosário: Saúde dos enfermos, Refúgio dos pecadores, Consoladora dos aflitos, Auxílio dos cristãos… “Esta gradação é belíssima. Mostra como Maria exerce a sua misericórdia sobre aqueles que sofrem no corpo para lhes curar a alma, e como depois os consola nas suas aflições e como os torna fortes no meio de todas as dificuldades que têm que enfrentar”8.

Santa Maria espera-nos como Saúde dos enfermos porque obtém a cura do corpo, sobretudo quando esta se ordena para a salvação da alma. Há casos em que nos concede algo mais importante que a saúde corporal: a graça de entendermos que a dor, o mal físico, é instrumento de Deus. Através dessa doença que nos aflige, acolhida com paciência e sentido sobrenatural, conseguimos uma boa parte do tesouro que encontraremos no Céu, assim como abundantes frutos apostólicos: decisões de entrega a Deus e salvação de pessoas que, sem essas graças, não teriam encontrado a porta do Céu. Neste sentido, a Virgem Maria remedeia também as feridas que o pecado original deixou em nossa alma e que os pecados pessoais agravaram: a concupiscência desordenada, a debilidade na prática do bem. Fortalece os que vacilam, levanta os que caíram, ajuda a dissipar as trevas da ignorância e do erro.

A Virgem misericordiosa é igualmente Refúgio dos pecadores. Encontramos nEla um amparo seguro. Depois do seu Filho, ninguém detestou mais o pecado do que Santa Maria, mas, longe de afugentar os pecadores, Ela os acolhe, move-os ao arrependimento: em quantas confissões não interveio com um auxílio especialíssimo! Envia graças de luz e de arrependimento mesmo àqueles que estão mais afastados e que, se não resistirem, serão conduzidos de graça em graça até à conversão. “Quem poderá investigar, pois, ó Virgem bendita, a extensão e a largura, a altura e a profundidade da tua misericórdia? Porque a sua extensão alcança até à última hora os que a invocam. A sua largura abarca o orbe para que toda a terra esteja repleta da sua misericórdia”9.

Recorremos hoje à nossa Mãe, pedindo-lhe que tenha piedade de nós. Dizemos-lhe que somos pecadores, mas que queremos amar cada vez mais o seu Filho Jesus Cristo; que tenha compaixão das nossas fraquezas e nos ajude a superá-las. Ela é Refúgio dos pecadores e, portanto, a nossa garantia, o porto seguro onde atracamos depois das ondas e dos ventos contrários, onde reparamos os possíveis danos causados pela tentação e pela nossa fraqueza. A sua misericórdia é o nosso amparo e a nossa paz: Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores…

III. A VIRGEM MARIA, nossa Mãe, Consoladora dos aflitos, foi durante toda a sua vida consolo daqueles que andavam sobrecarregados por um peso grande demais para o levarem sozinhos.

Animou São José naquela noite em que o Patriarca, depois de bater de porta em porta pedindo alojamento, não encontrou em Belém nenhuma casa que os acolhesse; bastou-lhe um sorriso de Maria para recuperar as forças e acomodar-se ao que encontrou: um estábulo nos arredores da cidade. E ajudou-o a prosseguir na fuga para o Egito e a estabelecer-se naquele país… E apesar de José ser um homem cheio de fortaleza, o consolo de Maria tornou-lhe mais fácil o cumprimento da vontade de Deus.

Os Apóstolos ampararam-se em Maria quando tudo se tornou negro e sem sentido para eles depois de Cristo ter expirado na Cruz. Quando se deu sepultura ao corpo de Jesus e os habitantes de Jerusalém se preparavam para celebrar em família a festa da Páscoa, os Apóstolos, que vagueavam perdidos pela cidade, encontraram-se em casa de Maria, quase sem o perceberem.

Desde então, a Virgem jamais deixou por um momento sequer de consolar os que se sentem oprimidos pelo peso da tristeza, da solidão ou de uma grande dor. “Maria acolheu muitos cristãos nas perseguições, libertou muitos possessos e almas tentadas, salvou da angústia muitos náufragos; assistiu e fortaleceu muitos agonizantes, recordando-lhes os méritos infinitos do seu Filho”10.

Se alguma vez nos pesam as coisas da vida, a doença, o esforço na tarefa apostólica, a preocupação com a família, os obstáculos que se juntam e se amontoam, recorramos à Virgem, e sempre encontraremos consolo, alento e força para cumprir em tudo a vontade amável do seu Filho. Repetir-lhe-emos devagar: Salve Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura, esperança nossa…

Nossa Senhora éAuxílio dos cristãos, porque sempre se favorece principalmente aqueles a quem se ama, e ninguém como Maria amou aqueles que fazem parte da família do seu Filho. Encontramos nEla todas as graças necessárias para sairmos vitoriosos nas tentações, no apostolado, no trabalho… No Rosário temos uma “arma poderosa”11 para superar todos os obstáculos que nos aguardam. São muitos os cristãos no mundo que, seguindo o ensinamento ininterrupto dos Sumos Pontífices, introduziram na sua vida de piedade o costume de rezá-lo diariamente: em família, numa igreja, pela rua ou nos meios de transporte.

“Em mim encontra-se toda a graça de doutrina e de verdade, toda a esperança de vida e de virtude (Eclo 24, 25). Com quanta sabedoria a Igreja colocou estas palavras na boca da nossa Mãe, para que não as esquecêssemos! Ela é a segurança, o Amor que nunca abandona, o refúgio constantemente aberto, a mão que acaricia e consola sempre”12.

(1) Mc 8, 1-10; (2) cfr. Santo Agostinho, Sobre a cidade de Deus, 9; (3) Ef 2, 4; (4) São Tomás, Suma Teológica, 1-2, q. 113, a. 9; (5) Hebr 4, 15-16; (6) João Paulo II, Enc. Dives in misericordia, 30-XI-1980; (7) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 62; (8) R. Garrigou-Lagrange, A Mãe do Salvador, pág. 305; (9) São Bernardo, Homilia na Assunção da B. Virgem Maria, 4, 8-9; (10) R. Garrigou-Lagrange, op. cit., pág. 311; (11) Josemaría Escrivá, Santo Rosário, Introdução; (12) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 279.

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