Memória de Nossa Senhora das Mercês

Esta festa comemora a fundação da Ordem dos Mercedários, dedicada nas suas origens à redenção dos cativos. Conta uma piedosa tradição que a Santíssima Virgem apareceu certa noite ao Rei Jaime I de Aragão, a São Raimundo de Peñafort e a São Pedro Nolasco, pedindo-lhes que instituíssem uma Ordem para libertar os cristãos que tinham caído em poder dos muçulmanos. Para recordar o episódio, criou-se esta festa, que o Papa Inocêncio XII estendeu a toda a cristandade no século XVII. Atualmente, é celebrada em alguns lugares. Tem uma Missa própria no volume de Missas da Virgem Maria, publicado por João Paulo II.

I. A MINHA ALMA glorifica o Senhor porque Ele auxiliou Israel, seu servo, lembrando-se da sua misericórdia, conforme tinha prometido aos nossos pais1.

A Santíssima Virgem é venerada sob o título de Nossa Senhora das Mercês em muitos lugares da Espanha e da América Latina. Sob essa invocação, nasceu uma Ordem religiosa que teve como missão resgatar os cativos cristãos em poder dos muçulmanos. “Todos os símbolos das imagens de Nossa Senhora das Mercês recordam-nos a sua função libertadora: cadeias quebradas e grilhões abertos, como os seus braços e as suas mãos estendidas oferecendo a liberdade […], o seu filho Redentor”2. Atualmente, a Ordem dedica os seus esforços principalmente à libertação das cadeias do pecado, mais fortes do que a pior das prisões.

Nesta festa da nossa Mãe, devemos lembrar-nos dos nossos irmãos que são marginalizados de diferentes maneiras por causa da sua fé, ou que sofrem num ambiente hostil à sua conduta e princípios cristãos. Trata-se por vezes de uma perseguição sem sangue, a da calúnia e da maledicência, que os cristãos já tiveram ocasião de experimentar desde as origens da Igreja e que não é desconhecida nos nossos dias, mesmo em países de forte tradição cristã.

Deus também sofre nos nossos dias, nos seus membros. Naturalmente, “não chora nos céus, onde habita numa luz inacessível e onde goza eternamente de uma felicidade infinita. Deus chora na terra. As lágrimas deslizam sem cessar pela face divina de Jesus, que, mesmo sendo um com o Pai celestial, sobrevive e sofre aqui na terra […]. E as lágrimas de Cristo são lágrimas de Deus.

“Deste modo, Deus chora em todos os aflitos, em todos os que sofrem, em todos os que choram no nosso tempo. Não podemos amá-lo se não enxugarmos as suas lágrimas”3. A paixão de Cristo continua de certo modo nos nossos dias. Ele continua a passar com a Cruz às costas pelas nossas ruas e praças. E nós não podemos ficar indiferentes, como meros espectadores.

A primeira Leitura da Missa4 fala-nos de Judite, aquela mulher que, com grande valentia, libertou o Povo eleito do assédio de Holofernes. Assim cantavam todos, cheios de alegria: Tu és a glória de Jerusalém; tu, a alegria de Israel; tu, a honra do nosso povo. Porque o teu coração se encheu de coragem, ó benfeitora de Israel… A Igreja aplica à Virgem das Mercês este cântico de júbilo, pois Ela é a nova Judite, que com o seu fiat trouxe a salvação ao mundo e cooperou de modo único e singular na obra da nossa salvação. Associada à sua Paixão junto da Cruz, é agora elevada à cidade celeste, advogada nossa e dispensadora dos tesouros da redenção5. Recorremos hoje à Virgem como eficaz intercessora, para que induza os nossos amigos, parentes ou colegas que se encontram afastados do seu Filho a aproximar-se dEle, especialmente por meio do sacramento da Penitência, e para que fortaleça e alivie aqueles que de alguma forma sofrem perseguição por serem fiéis à fé.

Recorremos a Ela para pedir-lhe também pelas nossas pequenas ou grandes necessidades. A nossa Mãe do Céu sempre se distinguiu pela sua generosidade em conceder mercês.

II. O EVANGELHO DA MISSA relata-nos o momento em que o Senhor nos deu a sua Mãe como Mãe nossa: Jesus, pois, tendo visto a sua Mãe, e perto dela o discípulo que ele amava, disse à sua Mãe: Mulher, eis aí o teu filho. Depois, disse ao discípulo: Eis aí a tua Mãe. E, dessa hora em diante, o discípulo a teve em sua casa6.

O Senhor deu-nos Maria como Mãe amantíssima7. Ela cuida sempre com afeto maternal dos irmãos do seu Filho que se encontram em perigo e ansiedade, para que, quebradas as cadeias de toda a opressão, alcancem a plena liberdade do corpo e do espírito8. As suas mãos estão sempre cheias de graças e de dons – de mercês –, para derramá-los sobre os seus filhos. Sempre que nos sintamos preocupados ou aflitos, recorramos como que por instinto à nossa Mãe do Céu; e façamo-lo especialmente se em algum momento se apresenta uma complicação interior – esses nós e enredos que o demônio tende a armar nas almas, que separam dos outros e dificultam o caminho que conduz a Deus. Ela é o Auxílio dos cristãos, como dizemos na Ladainha, nosso auxílio e socorro nessa longa navegação que é a vida, na qual encontramos ventos e tempestades.

Nós, os cristãos, temos mil maneiras de recorrer a Nossa Senhora: olhando com devoção para uma imagem que tenhamos no quarto, no meio da rua, quando se apresenta uma tentação, com a recitação do terço… Um dos mais antigos testemunhos da devoção filial à Virgem é a oração Sub tuum praesidium confugimus… “À vossa proteção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus, não desprezeis as súplicas que em nossas necessidades Vos dirigimos, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, Virgem gloriosa e bendita”9, e a oração Memorare ou Lembrai-vos, que podemos rezar todos os dias pela pessoa da família que mais precise de ajuda naquele momento.

Dizemos à nossa Mãe, com versos de um poeta que se lêem num nicho de uma rua da cidade de Barcelona, da qual é Padroeira: Virgem e Mãe, / nosso consolo, / fazei-nos encon-

trar o bom caminho. / Eu sou homem, sou vosso filho. / Vós sois a estrela, eu o peregrino. Tu iluminarás sempre o meu caminho.

III. MULHER, EIS AÍ O TEU FILHO. Ao aceitar o Apóstolo João como filho, a Virgem mostra o seu incomparável amor de Mãe. “E naquele homem – orava o Papa João Paulo II – foi-te confiado cada homem, todos os homens. E Tu, que no momento da Anunciação, naquelas simples palavras: Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1, 38), concentraste todo o programa da tua vida, abraças a todos, procuras maternalmente a todos […]. Perseveras de maneira admirável no mistério de Cristo, teu Filho unigênito, porque estás sempre onde quer que estejam os homens seus irmãos, onde quer que esteja a Igreja”10. As suas mãos encontram-se sempre cheias de graças, sempre dispostas a derramá-las sobre os homens.

São João recebeu Maria em sua casa e cuidou dela com extrema delicadeza até que subiu aos céus em corpo e alma: E, dessa hora em diante, o discípulo a teve em sua casa. “Os autores espirituais viram nestas palavras do Santo Evangelho um convite dirigido a todos os cristãos para que todos saibamos também introduzir Maria em nossas vidas. Em certo sentido, é um esclarecimento quase supérfluo, porque Maria quer sem dúvida que a invoquemos, que nos aproximemos dEla com confiança, que recorramos à sua maternidade, pedindo-lhe que se manifeste como nossa Mãe”11.

Mostra que és Mãe! Tantas vezes lho temos pedido! E Ela jamais deixou de escutar-nos. Não nos esqueçamos nunca de que a presença da Virgem na Igreja, e portanto na vida de cada um, é sempre “uma presença materna”12, que tende a facilitar-nos o caminho, a livrar-nos dos extravios – pequenos ou grandes – a que nos conduz a nossa torpeza. O que seria de nós sem os seus desvelos maternais! Procuremos ser bons filhos.

Nossa Senhora está sempre atenta às necessidades de cada um dos que se confiam à sua intercessão. E o poeta catalão prossegue os seus versos: Por que nos olhas, Virgem Santa, / com esses olhos tão abertos? / Cria sempre na nossa alma / um santo estremecimento! / Que os milagres de outrora / se repitam hoje em dia, / livra-nos do pecado / e de uma vil covardia!

(1) Lc 1, 46.54-55; Antífona de entrada da Missa do dia 24 de setembro; (2) A. Vázquez, Santa Maria de la Merced, Madrid, 1988, pág. 86; (3) W. van Straten, Dios llora en la tierra, BAC, Madrid, 1981, pág. 7-8; (4) Jud 15, 8-10; 16, 13-14; (5) Missas da Virgem Maria; (6) Jo 19, 26-27; (7) Oração depois da Comunhão; (8) cfr. Prefácio da Missa de Nossa Senhora das Mercês; (9) A. G. Hamman, Oraciones de los primeros cristianos, Rialp, Madrid, 1956; (10) João Paulo II, Homilia na Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe, 27-I-1979; (11) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 140; (12) cfr. João Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, 25-III-1987, 24.

Utilizamos seus dados para analisar e personalizar nossos conteúdos e anúncios durante a sua navegação em nossa plataforma e em serviços de terceiros parceiros. Ao navegar pelo nosso site, você nos autoriza a coletar tais informações e utilizá-las para estas finalidades. Em caso de dúvidas, acesse nossa Política de Privacidade.