Memória de São Francisco Sales

Francisco de Sales nasceu na Sabóia em 1567. Depois de ordenado sacerdote, trabalhou pela restauração católica da sua pátria. Nomeado Bispo de Genebra, fortaleceu com santo zelo a piedade e a doutrina dos sacerdotes e dos fiéis, dedicando-lhes numerosos escritos. Faleceu em Lyon, a 28 de dezembro de 1622. A sua festa é celebrada no dia 24 de janeiro porque, nesse dia do ano de 1623, os seus restos mortais foram trasladados para a sepultura definitiva em Annecy. Foi beatificado em 1661 e canonizado quatro anos depois. Pio IX declarou-o Doutor da Igreja e Pio XI proclamou-o Padroeiro dos jornalistas e dos escritores católicos.

I. SÃO FRANCISCO DE SALES, já como presbítero, trabalhou intensamente pela fidelidade à Sé Romana de todos os cristãos da sua pátria. Depois, como bispo, foi um exemplo de Bom Pastor no relacionamento com os sacerdotes e os demais fiéis, doutrinando-os incessantemente com a sua palavra e os seus escritos.

A liturgia da Missa anima-nos a pedir ao Senhor a graça de imitarmos a caridade e a mansidão de São Francisco de Sales, a fim de com ele chegarmos à glória do Céu1. Vamos, pois, meditar nas virtudes da amabilidade e da mansidão, virtudes que o santo Bispo de Genebra, permanecendo firme na verdade, praticou com esmero no trato com todas as pessoas, mesmo com as que pensavam e agiam de modo bem diferente do seu. Destas virtudes, que tornam possível ou facilitam a convivência, e que são tão necessárias a todos, dizia o Santo: “É necessário tê-las em grande provisão e muito à mão, pois devem ser usadas quase continuamente”2.

Todos os dias encontramo-nos com pessoas muito diferentes: no trabalho, na rua, entre os parentes… É muito grato ao Senhor que saibamos conviver com todas elas. São Tomás de Aquino fala da necessidade de uma virtude particular – que encerra em si muitas outras aparentemente pequenas –, que “cuide de ordenar as relações dos homens com os seus semelhantes, tanto nos atos como nas palavras”3.

Estas virtudes levam-nos a esforçar-nos em todas as situações por tornar a vida mais grata aos que estão ao nosso lado. Tornam amáveis as relações entre os homens, e são uma verdadeira ajuda mútua no nosso caminho para o Céu, que é para onde queremos ir. Não provocam talvez uma grande admiração, mas, quando faltam, nota-se, e as relações entre os homens tornam-se tensas e difíceis.

São virtudes que, pela sua própria natureza, se opõem ao egoísmo, ao gesto brusco, ao mau-humor, às faltas de educação, à desordem, aos gritos e impaciências. A conversa agradável, o trato cheio de respeito devem estar sempre presentes no trabalho, no trânsito… e, de modo particular, no relacionamento com aqueles com quem convivemos habitualmente. São virtudes “contra as quais faltam grandemente os que na rua parecem anjos, e na própria casa diabos”4, como dizia o Santo. Examinemos hoje como é o nosso trato, a conversa…, principalmente com todos aqueles que o Senhor colocou ao nosso lado.

II. DA VIRTUDE DA AMABILIDADE – de que São Francisco de Sales nos deixou tantos exemplos e conselhos – fazem parte uma série de virtudes que talvez não sejam muito chamativas, mas que constituem o entrançado da caridade: a benignidade, que leva a tratar e julgar os outros e as suas atuações com delicadeza; a indulgência em face dos defeitos e erros alheios; a educação e a urbanidade nas palavras e nas maneiras; a simpatia, que por vezes será necessário cultivar com especial esmero; a cordialidade e a gratidão; o elogio oportuno às coisas boas que vemos nos outros…

O cristão sabe converter os múltiplos pormenores destas virtudes humanas em outros tantos atos da virtude da caridade, praticando-os também por amor a Deus. Aliás, a caridade transforma essas virtudes em hábitos mais firmes, mais ricos de conteúdo, e dá-lhes um horizonte mais elevado: com a ajuda da graça, o cristão encara e trata os seus irmãos como filhos de Deus que são.

Para estarmos abertos a todos, para convivermos com pessoas tão diferentes de nós (pela idade, religião, formação cultural, temperamento…), São Francisco de Sales ensina-nos que a primeira condição é sermos humildes, pois “a humildade não é somente caritativa, mas também doce. A caridade é a humildade que se projeta externamente e a humildade é a caridade escondida”5; ambas as virtudes estão estreitamente unidas. Se lutarmos por ser humildes, saberemos “venerar a imagem de Deus que há em cada homem”6, saberemos tratá-los com profundo respeito.

Respeitar é olhar para os outros descobrindo o que valem. A palavra vem do latim respectus, que significa olhar com consideração7. Saber conviver exige que se respeitem as pessoas, como aliás as coisas, que são bens de Deus e estão a serviço do homem; já se disse com verdade que as coisas só mostram o seu segredo aos que as respeitam e amam; o respeito à natureza atinge o seu sentido mais profundo quando a encaramos como parte da criação e nos propomos dar glória a Deus através dela. O respeito é, enfim, condição que permite contribuir para a melhoria dos outros. Quando subjugamos os outros, inutilizamos os conselhos que lhes podemos dar e as advertências que lhes devemos fazer.

Ficamos gozosamente surpreendidos quando verificamos com que freqüência o Evangelho se refere aos olhares de Jesus, como se tivessem algo de muito especial. Podemos ler no texto sagrado que Jesus olhou com carinho para aquele rapaz que se aproximou dEle com desejos de ser melhor; que olhou com ternura para a pobre viúva que se mostrou tão generosa com as coisas de Deus, lançando no cofre do Templo o pouco que tinha para o seu sustento; e que olhou com simpatia para Zaqueu, que estava empoleirado no alto de uma árvore tentando vê-lo… Jesus olhava para todos com imenso respeito, fossem sãos ou doentes, crianças ou adultos, mendigos, pecadores… É esse o exemplo que devemos imitar na nossa convivência diária.

É preciso ver as pessoas – todas – com simpatia, com apreço e cordialidade. Se as olhássemos como o Senhor as olha, não nos atreveríamos a julgá-las negativamente. “Naqueles que não nos são naturalmente simpáticos, veríamos almas resgatadas pelo Sangue de Cristo, que fazem parte do seu Corpo Místico, e que talvez estejam mais perto do que nós do seu divino Coração. Não poucas vezes nos acontece passarmos longos anos ao lado de almas belíssimas, e não notarmos a sua formosura”8. Olhemos ao nosso redor e respeitemos aqueles com quem nos damos diariamente na nossa própria casa, no escritório, com quem nos cruzamos no meio do trânsito, que esperam no consultório do dentista ou fazem fila nos correios. Examinemos junto de Jesus se os vemos com olhos amáveis e misericordiosos, como Ele os vê.

III. SÃO FRANCISCO ENSINAVA que “é preciso sentir indignação contra o mal e estar determinados a não transigir com ele; no entanto, é necessário conviver docemente com o próximo”9. O Santo teve que levar muitas vezes à prática este espírito de compreensão com as pessoas que estavam no erro e de firmeza diante do próprio erro, pois procurou durante boa parte da sua vida que muitos calvinistas voltassem ao catolicismo. E isso em momentos em que as feridas da separação eram especialmente profundas. Quando, por indicação do Papa, foi visitar um famoso pensador calvinista já octogenário, o Santo começou a conversa com amabilidade e cordialidade, perguntando: “Pode alguém salvar-se na Igreja Católica?” Depois de uns instantes de reflexão, o calvinista respondeu-lhe afirmativamente. Aquilo abriu uma porta que parecia definitivamente fechada10.

A compreensão, virtude fundamental da convivência e do apostolado, inclina-nos a viver amavelmente abertos aos outros; a olhá-los com essa simpatia que convida a aceitar com otimismo a trama de virtudes e defeitos que existe na vida de qualquer homem e de qualquer mulher. É um olhar que atinge as profundezas do coração e sabe encontrar a parte de bondade que sempre existe nele. Da compreensão nasce uma comunidade de sentimentos e de vida. Pelo contrário, dos juízos negativos, freqüentemente precipitados e injustos, resultam sempre o distanciamento e a separação.

O Senhor, que conhece as raízes mais profundas do agir humano, compreende e perdoa. Quando se compreendem os outros, é possível ajudá-los. A samaritana, o bom ladrão, a mulher adúltera, Pedro que nega, Tomé que não crê… e tantos outros naqueles três anos de vida pública e ao longo dos séculos, todos eles se sentiram compreendidos pelo Senhor e deixaram que a graça de Deus penetrasse nas suas almas. Uma pessoa compreendida abre o seu coração e deixa-se ajudar.

Quase no fim da vida, São Francisco escrevia ao Papa sobre a missão que lhe tinha sido encomendada: “Quando chegamos a esta região, não havia nem uma centena de católicos. Hoje há apenas uma centena de hereges”11. Queremos pedir-lhe no dia da sua festa que nos ensine a viver esse entrançado das virtudes da convivência; que nos ajude a praticá-las diariamente nas situações mais comuns; e que sejam uma firme ajuda para o apostolado que, com a graça de Deus, devemos realizar. Ó Deus que, para a salvação dos homens, quisestes que o santo bispo São Francisco de Sales se fizesse tudo para todos, concedei-nos que, a seu exemplo, manifestemos sempre a mansidão do vosso amor no serviço aos nossos irmãos12.

(1) Oração depois da Comunhão, Missa própria de São Francisco de Sales; (2) São Francisco de Sales, Introdução à vida devota, III, 1; (3) São Tomás, S.Th., II-II, q. 114, a. 1; (4) São Francisco de Sales, op. cit., III, 8; (5) idem, Conversações espirituais, 11, 2; (6) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 230; (7) cfr. J. Corominas, Diccionário crítico etimológico, Gredos, Madrid, 1987, verbete Respecto; (8) R. Garrigou-Lagrange, Las tres edades de la vida interior, Palabra, Madrid, 1982, vol. II, pág. 734; (9) São Francisco de Sales, Epistolário, frag. 110; (10) cfr. idem, Meditações sobre a Igreja, Introdução; (11) cfr. ib.; (12) Oração coleta, Missa própria de São Francisco de Sales.

 

fonte: Falar com Deus

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