Memória de São Tomás de Aquino – Doutor da Igreja

Nasceu por volta de 1225 no castelo de Roccaseca, perto de Montecassino, na Itália. Estudou primeiro na abadia beneditina desse lugar e depois em Nápoles; aos vinte anos, entrou na Ordem dos Pregadores, apesar da forte oposição familiar. Foi mestre de Filosofia e Teologia em Roma, Nápoles, Viterbo e, principalmente, em Colônia e Paris. Partindo da filosofia de Aristóteles, da teologia de Santo Agostinho e da Sagrada Escritura, elaborou uma síntese teológica abrangente. A sua grande piedade transparece de modo especial nos seus sermões e no Ofício que compôs para a festa do Corpus Christi. Desde a sua morte, o Magistério da Igreja adotou a sua doutrina “por estar mais conforme que nenhuma outra com as verdades reveladas, os ensinamentos dos Santos Padres e a reta razão” (João XXIII). A sua autoridade doutrinal é reconhecida universalmente.

Morreu perto de Terracina no dia 7 de março de 1274, quando se dirigia para o Concílio de Lyon. A sua festa celebra-se no dia em que o seu corpo foi trasladado para Toulouse, no ano de 1639. Foi canonizado e declarado Doutor da Igreja em 1323.

I. NO MEIO DA IGREJA, o Senhor colocou a palavra nos seus lábios; deu-lhe o espírito de sabedoria e inteligência, revestiu-o de glória1.

Quando São Tomás tinha ainda poucos anos de idade, costumava perguntar reiteradamente ao seu mestre de Montecassino: “Quem é Deus?”, “explicai-me o que é Deus”. E rapidamente compreendeu que, para conhecer o Senhor, não bastam os mestres e os livros. É necessário, além disso, que a alma o procure de verdade e se entregue a Ele com um coração puro, humilde, e mediante uma intensa oração. Em São Tomás juntaram-se em íntima união a doutrina e a piedade. Nunca começou a escrever ou a ensinar sem antes se ter confiado à ação do Espírito Santo. No período em que se concentrou em estudar e expor o Sacramento da Eucaristia, costumava descer à capela e permanecer várias horas diante do Sacrário.

Dotado de um talento prodigioso, São Tomás levou a cabo a síntese teológica mais admirável de todos os tempos. A sua vida, relativamente curta (faleceu aos 49 anos de idade), foi uma busca profunda e apaixonada do conhecimento de Deus, do homem e do mundo à luz da Revelação divina. O saber antigo dos autores pagãos e dos Santos Padres proporcionou-lhe elementos para levar a cabo uma síntese harmoniosa da razão e da fé que foi proposta muitas vezes pelo Magistério da Igreja como modelo de fidelidade à Igreja e às exigências de um são raciocínio.

São Tomás é exemplo de humildade e de pureza de intenção no trabalho. Um dia, estando em oração, ouviu a voz de Jesus crucificado que lhe dizia: “Escreveste bem sobre mim, Tomás; que recompensa queres pelo teu trabalho?” E ele respondeu: “Senhor, nada senão Vós mesmo”2. Era mais uma manifestação da sua sabedoria e santidade, que nos mostra o que devemos pedir e desejar, por cima de todas as coisas.

Com o seu extraordinário talento e sabedoria, sempre teve consciência da pequenez da sua obra ante a imensidade do seu Deus. Um dia em que tinha celebrado a Santa Missa com particular recolhimento, decidiu não voltar a escrever. E quando os seus colaboradores lhe perguntaram por que resolvera suspender o seu trabalho, o Santo respondeu: “Depois do que Deus se dignou revelar-me no dia de São Nicolau, parece-me palha tudo o que escrevi na minha vida, e por isso não posso escrever mais”3. E deixou inacabada a sua obra magna, a Suma Teológica. Deus é sempre mais do que aquilo que pode pensar a inteligência humana mais poderosa ou do que pode desejar o coração humano mais sedento.

O Doutor Angélico ensina-nos como devemos procurar a Deus: com a inteligência, desenvolvida mediante uma profunda formação, e com uma vida de amor e de oração4.

II. O MAGISTÉRIO DA IGREJArecomendou vivamente a doutrina de São Tomás como guia dos estudos e da pesquisa teológica. A Igreja fez sua essa doutrina, por ser a mais conforme com as verdades reveladas, com o ensinamento dos Santos Padres e a razão natural5. E o Concílio Vaticano II recomenda que se aprofunde nos mistérios da fé e se descubra a sua mútua conexão “sob o magistério de São Tomás”6. Os princípios de São Tomás são faróis que projetam luz sobre os problemas mais importantes da filosofia e permitem entender melhor a fé no nosso tempo7.

A festa de São Tomás recorda-nos, pois, a necessidade de uma sólida formação doutrinal religiosa, alicerce indispensável da nossa fé e de uma vida plenamente cristã. Só assim, meditando e estudando os pontos capitais da doutrina católica, é que estaremos ao abrigo dos estados de ânimo e do sentimento, que pode ser frágil e mutável; só assim poderemos enriquecer a nossa vida cristã e enfrentar melhor essa onda de ignorância religiosa que varre o mundo em todos os níveis.

Num tempo como o nosso, em que proliferam os erros doutrinais, o sincretismo, as religiosidades vagas, servidos por meios de comunicação igualmente desorientados e à busca do exótico, é necessário dizer com fé ardente e reparadora: “Creio em tudo o que Deus revelou”. Mas esta fé implica o compromisso de não desleixar o estudo para alcançarmos uma melhor e mais profunda compreensão dos mistérios divinos. Caso contrário, não daríamos importância àquilo que Deus, no seu infinito amor, quis revelar-nos para que pudéssemos crescer na fé, na esperança e na caridade.

Vale a pena repetir uma citação de um autor dos nossos dias, que fazíamos noutro destes volumes de meditações: “Não sei quantas vezes me disseram – escreve esse autor – que um ancião irlandês que só saiba rezar o terço pode ser mais santo do que eu, com todos os meus estudos. É muito possível que seja assim; e para o seu próprio bem, espero que seja assim. No entanto, se o único motivo para fazer tal afirmação é o de que sabe menos teologia do que eu, esse motivo não me convence; nem a mim nem a ele. Não o convence, porque todos os anciãos irlandeses devotos do terço e do Santíssimo Sacramento que conheci (e muitos dos meus antepassados o foram) estavam desejosos de conhecer mais a fundo a sua fé. Não me convence porque, se é evidente que um homem ignorante pode ser virtuoso, é igualmente evidente que a ignorância não é uma virtude. Houve mártires que não foram capazes de enunciar corretamente a doutrina da Igreja, e o martírio é a maior prova do amor. No entanto, se tivessem conhecido mais a Deus, o seu amor teria sido maior”8.

Santa Teresa de Jesus dizia que “a quem mais conhece a Deus, a esse se lhe tornam mais fáceis as obras”9. Sim, um homem ou uma mulher com fome de conhecer a fundo a sua fé interpreta com uma visão mais penetrante os acontecimentos, santifica melhor os seus afazeres – as suas obras – e encontra sentido para a dor que, mais cedo ou mais tarde, atinge todas as vidas.

III. A FORMAÇÃO DOUTRINAL leva-nos a uma piedade profunda, manifestada quase sempre de modo simples. No manuscrito da Suma contra os Gentios de São Tomás, encontram-se, por exemplo, trechos da Ave-Maria espalhados pelas margens, como jaculatórias que ajudavam o Santo a manter o coração inflamado. E quando queria experimentar a caneta, fazia-o escrevendo essas ou outras jaculatórias10.

Todos os escritos e ensinamentos orais do Doutor Angélico levam a amar mais a Deus, com maior profundidade e maior ternura. É dele esta sentença: da mesma maneira que quem possuísse um livro em que estivesse contida toda a ciência só procuraria conhecer esse livro, assim cada um de nós só deve procurar Cristo, porque nEle, como diz São Paulo, estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência11. Toda a doutrina que aprendemos deve levar-nos a amar Jesus, a desejar servi-lo com maior prontidão e alegria.

“Piedade de crianças e doutrina de teólogos”, costumava insistir o Bem-aventurado Josemaría Escrivá, porque a fé firme, apoiada em sólidos princípios doutrinais, manifesta-se freqüentemente numa vida cheia de simplicidade, em que nos sentimos pequenos diante de Deus e nos atrevemos a manifestar-lhe o nosso amor através de coisas muito pequenas; detalhes que Ele abençoa e acolhe com um sorriso, como faz um pai com seu filho. O amor – ensinou São Tomás – leva ao conhecimento da verdade12, e, por sua vez, todo o conhecimento tem a caridade por fim13. O conhecimento de Deus deve levar-nos a dirigir-lhe freqüentes atos de amor, sem fórmulas fixas, a conversar com Ele espontaneamente, sem medo. Enquanto a mente se fixa no pequeno dever de cada momento, o coração está em Deus, recebendo o suave impulso da graça que a faz tender para o Pai, no Filho e pelo Espírito Santo.

Uma formação doutrinal mais profunda leva a procurar o trato íntimo com a Santíssima Humanidade do Senhor, com a Virgem, Mãe de Deus e Mãe nossa, com São José, “nosso Pai e Senhor”, com os Anjos da Guarda, com as benditas almas do Purgatório… As verdades da fé, que, para muitos, são meros enunciados, passam a partir daí a ganhar vida, tornam-se fonte de pensamentos eficazes, de afetos que movem o coração à confiança em Deus, à pureza do corpo e da alma, ao atrevimento incansável na ação apostólica.

(1) Eclo 15, 5; Antífona de entrada da Missa do dia 28 de janeiro; (2) cfr. Fontes vitae Sancti Thomae, 108; (3) Bartolomeu de Capua, no Processo napolitano de canonização, n. 79; Fontes vitae Sancti Thomae, 3777; (4) cfr. João Paulo II, Discurso na Pontifícia Universidade de São Tomás de Aquino, 17-XI-1979; (5) cfr. João XXIII, Alocução, 28-IX-1960; (6) Conc. Vat. II, Decr. Optatam totius, 16; (7) cfr. Paulo VI, Carta Apost. Lumen Ecclesiae, 20-XI-1974, 29; (8) F. J. Sheed, Teología para todos, 4ª ed., Palabra, Madrid, 1982, págs. 15-16; (9) Santa Teresa, Fundações, 3, 5; (10) cfr. São Tomás, Suma contra gentiles, Leonina, Prefácio; (11) cfr. id., Comentário sobre a Epístola aos Tessalonicenses, 2, 3, 1; (12) cfr. id., Comentário ao Evangelho de São João, 5, 6; (13) cfr. ib., 15, 2.

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