Memória dos Santos Anjos da Guarda

A devoção aos Anjos da Guarda foi cultivada desde os começos do cristianismo. A sua festa, com caráter universal para toda a Igreja, foi instituída pelo Papa Clemente X no século XVII. Os Anjos da Guarda são mensageiros de Deus encarregados de velar por cada um de nós, protegendo-nos no nosso caminho na terra e compartilhando com os cristãos a preocupação apostólica de aproximar as almas de Deus.

I. ANJOS TODOS DO SENHOR, bendizei o Senhor; cantai a sua glória, louvai-o eternamente1.

Os Anjos aparecem freqüentemente na Sagrada Escritura como ministros ordinários de Deus. São as criaturas mais perfeitas da Criação, penetram com a sua inteligência onde nós não podemos, e contemplam a Deus face a face, como criaturas já glorificadas.

Nos momentos mais importantes da história humana, um anjo, que se manifestava por vezes em forma corpórea, foi o embaixador de Deus para anunciar os seus desígnios, mostrar um caminho ou comunicar a vontade divina. Vemo-los atuar constantemente como mensageiros do Altíssimo, iluminando, exortando, intercedendo, preservando do perigo, castigando. O próprio significado da palavra anjo – enviado – exprime a sua função de mensageiro de Deus junto dos homens2.

Sempre receberam veneração e respeito por parte do Povo eleito. Porventura não são todos esses espíritos ministros de Deus, enviados para exercerem o seu ministério em favor daqueles que hão de receber a herança da salvação?3 Foi a fé nesta missão protetora dos Anjos, ligada a pessoas particulares, que fez Jacó exclamar enquanto abençoava os seus netos, filhos de José: Que o anjo que me livrou de todos os males abençoe estes meninos4. E a primeira Leitura da Missa5 transmite-nos as palavras do Senhor a Moisés, que hoje podemos considerar dirigidas a cada um de nós: Eu enviarei o meu anjo adiante de ti para que te guarde pelo caminho e te faça chegar ao lugar que te preparei. E o profeta Eliseu dirá ao seu servo, que se assustara ao verem-se sitiados pelos inimigos: Nada temas, pois muitos mais estão conosco do que com eles. E Eliseu orou e disse: Senhor, abre os olhos deste, para que veja. E o Senhor abriu os olhos do servo, e ele viu a montanha cheia de cavalos e de carros de fogo que rodeavam Eliseu6.

Que segurança nos deve inspirar a presença dos Anjos da Guarda na nossa vida! Eles nos consolam, iluminam e lutam a nosso favor: no mais aceso do combate, apareceram do céu aos inimigos cinco homens resplandecentes, montados em cavalos com freios de ouro, que se puseram à testa dos judeus. Dois desses homens levaram o Macabeu para o meio deles, cobriram-no com as suas armas, guardavam-no incólume e lançavam dardos e raios contra os inimigos que, feridos de cegueira e cheios de espanto, iam caindo7. Os santos Anjos intervêm todos os dias de formas e modos muito diversos na nossa vida corrente. Que providência tão singular e cheia de bondade e quanta solicitude a de Deus para conosco, seus filhos, por meio desses santos protetores! Procuremos neles a fortaleza de que necessitamos para a nossa luta ascética habitual, e ajuda para que acendam em nossos corações as chamas do Amor de Deus.

II. NA PRESENÇA DOS ANJOS, eu Vos louvo, Senhor meu Deus8.

A vida e os ensinamentos de Jesus estão repletos da presença ministerial dos Anjos. Gabriel comunica a Maria que vai ser Mãe do Salvador. Um anjo ilumina e tranqüiliza José; também há anjos que anunciam o nascimento de Jesus aos pastores de Belém. A fuga para o Egito, as tentações do Senhor no deserto, a longa agonia no Horto de Getsêmani, a Ressurreição e a Ascensão são igualmente presenciadas por esses servidores de Deus que, por sua vez, velam constantemente pela Igreja e por cada um dos seus membros, como testemunham os Atos dos Apóstolos9 e a Tradição primitiva. Em verdade, em verdade vos digo que vereis o céu aberto e os anjos de Deus subirem e descerem sobre o Filho do homem10.

Muitos santos e muitas almas que estiveram bem perto de Deus distinguiram-se na sua vida aqui na terra pela sua amizade com o seu Anjo da Guarda, a quem recorriam muito freqüentemente11. O Bem-aventurado Josemaría Escrivá teve uma particular devoção pelos Anjos da Guarda. E foi precisamente na festa que a Igreja celebra hoje, que o Senhor lhe fez ver com toda a clareza a fundação do Opus Dei, por meio do qual ressoaria em pessoas de todas as condições humanas e sociais a chamada à santidade no mundo, no meio dos afazeres habituais, através das circunstâncias em que se desenvolve a vida corrente. Mons. Escrivá tratava com toda a intimidade o seu Anjo da Guarda e cumprimentava o da pessoa com quem conversava12; dizia do Anjo da Guarda que era um “grande cúmplice” nas tarefas apostólicas, e também pedia-lhe favores materiais. Em certa época da sua vida, chamou-lhe o meu relojoeiro, pois o seu relógio parava com freqüência e, como não tinha dinheiro para mandá-lo consertar, encarregava-o de que o fizesse funcionar13. Dedicava um dia da semana – a terça-feira – a cultivar essa devoção com mais empenho14.

Certa vez, vivendo em Madrid, no meio de um ambiente de perseguição religiosa agressivamente anticlerical, avançou para ele, na rua, um sujeito de péssima catadura com a clara intenção de agredi-lo. De repente, interpôs-se inexplicavelmente outra pessoa, que repeliu o agressor. Foi coisa de um instante. Já a salvo, o seu protetor aproximou-se dele e disse-lhe ao ouvido: “Burrinho sarnento, burrinho sarnento!”, palavras com as quais o Servo de Deus se definia humildemente a si mesmo, na intimidade da sua alma, e que apenas o seu confessor conhecia. A paz e a alegria de reconhecer a visível intervenção do seu Anjo da Guarda invadiram-lhe a alma15. “Ficas pasmado porque o teu Anjo da Guarda te tem prestado serviços patentes. – E não devias pasmar; para isso o colocou o Senhor junto de ti”16.

Hoje pode ser um bom dia para reafirmarmos a nossa devoção ao Anjo da Guarda, pois temos muita necessidade dele: Ó Deus, que na vossa misteriosa providência mandais os vossos Anjos para nos guardarem – dizemos ao Senhor com uma oração da Liturgia da Missa –, concedei que nos defendam de todos os perigos e gozemos eternamente do seu convívio17.

III. ORDENOU AOS SEUS ANJOS que te guardassem em todos os teus caminhos… E São Bernardo comenta numa das leituras da Liturgia das Horas de hoje: “Estas palavras devem inspirar-te uma grande reverência, infundir-te uma grande devoção e conferir-te uma grande confiança. Reverência pela presença dos Anjos, devoção pela sua benevolência, confiança pela sua proteção. Estão aqui, portanto, e estão junto de ti, não apenas contigo, mas para teu bem. Estão aqui para te protegerem, para te serem úteis. E embora tenham sido enviados porque Deus lhes deu essa ordem, nem por isso devemos estar-lhes menos agradecidos, pois cumprem essa ordem com muito amor e nos auxiliam nas nossas necessidades, que são tão grandes”18.

Eles te levarão nas suas mãos, para que o teu pé não tropece em pedra alguma19. Sustentam-nos nas suas mãos como um precioso tesouro que Deus lhes confiou. Como os irmãos mais velhos cuidam dos mais novos, assim os Anjos nos assistem até nos introduzirem felizmente na casa paterna. Então terão cumprido a sua missão.

O nosso trato com o Anjo da Guarda deve ter um caráter amistoso, que ao mesmo tempo reconheça a sua superioridade em natureza e em graça. Ainda que a sua presença seja menos sensível que a de um amigo na terra, tem uma eficácia muito maior. Os seus conselhos e sugestões vêm de Deus e penetram mais profundamente que a voz humana. E, ao mesmo tempo, a sua capacidade de ouvir-nos e compreender-nos é muito superior à do amigo mais fiel; não apenas porque a sua permanência ao nosso lado é contínua, mas porque capta mais fundo as nossas intenções, desejos e pedidos.

O Anjo da Guarda pode influir na nossa imaginação diretamente – sem palavra alguma –, suscitando imagens, recordações, impressões, que nos indicam o caminho a seguir. Quantas vezes nos terá ajudado a continuar o nosso caminho como a Elias que, perseguido por Jezabel, se preparava para morrer, tal o seu cansaço, sob um arbusto da estrada! Podemos estar certos de que o nosso Anjo, como o de Elias, se aproximará de nós e nos fará entender: Levanta-te e come, porque te resta ainda um longo caminho20.

Nunca nos sentiremos sozinhos se nos acostumarmos a tratar intimamente esse amigo fiel e generoso, com quem podemos conversar com toda a familiaridade21. Além disso, ele une a sua oração à nossa ao apresentá-la a Deus22. É necessário, no entanto, que lhe contemos mentalmente as coisas, porque não lhe é possível penetrar no nosso entendimento como Deus o faz. E então, ele poderá deduzir do nosso interior mais do que nós mesmos somos capazes. “Não podemos ter a pretensão de que os Anjos nos obedeçam… Mas temos a absoluta certeza de que os Santos Anjos nos ouvem sempre”23. Já é suficiente.

O nosso Anjo da Guarda acompanhar-nos-á até o fim do caminho e, se formos fiéis, contemplaremos com ele a nossa Mãe, Rainha dos Anjos, a quem todos eles louvam numa eternidade sem fim. A esse coro angélico, com a ajuda da graça, nos uniremos nós também.

(1) Dan 3, 58; Antífona de entrada da Missa do dia 2 de outubro; (2) cfr. João Paulo II, Audiência geral, 30-VII-1986; (3) Hebr 1, 14; (4) Gên 48, 16; (5) Êx 23, 20-23; (6) 4 Rs 6, 16-17; (7) Mac 10, 29-30; (8) Antífona da comunhão da Missa do dia 2 de outubro; (9) At 5, 19-20; 12, 7-17; (10) Jo 1, 51; (11) cfr. G. Huber, Meu anjo caminhará à tua frente, Prumo-Rei dos Livros, Lisboa, 1990, págs. 33-50; (12) A. Vázquez de Prada, O Fundador do Opus Dei, Quadrante, São Paulo, 1989, pág. 138; (13) ib.; (14) ib., pág. 138, nota 40; (15) cfr. ib.; (16) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 565; (17) Oração coleta da Missa de 2 de outubro; (18) Liturgia das Horas, Segunda Leitura; São Bernardo, Sermão 12 sobre o Salmo “Qui habitat”, 3, 6-8; (19) Sl 90, 2; (20) 1 Rs 19, 7; (21) cfr. Tanquerey, Compêndio de teologia ascética y mística, Palabra, Madrid, 1990, n. 187, págs. 131-132; (22) cfr. Orígenes, Contra Celso, 5, 4; (23) Josemaría Escrivá, Forja, n. 339.

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