O exame de consciência – Tempo do Advento

I. EIS QUE VENHO em breve, diz o Senhor, e trago comigo a recompensa: darei a cada um segundo as suas obras (1).

    A lei de Moisés mandava cumprir o preceito do dízimo: devia-se entregar para a manutenção do Templo e para o serviço do culto a décima parte dos cereais, do mosto e do azeite. Os fariseus, rigoristas sem amor, levavam o preceito mais longe: faziam pagar o dízimo da menta, do anis e do cominho, plantas que pelas suas propriedades aromáticas eram cultivadas às vezes nos jardins das casas.

São Mateus anota umas palavras muito duras do Senhor a propósito da hipocrisia dos fariseus e da sua falta de coerência: Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que pagais o dízimo da menta, do anis e do cominho, e não vos preocupais com o mais grave da Lei: a justiça, a misericórdia e a boa-fé. Bom seria fazer aquilo, sem omitir isto. Guias cegos, que coais um mosquito e engolis um camelo (2).

Na vida dos fariseus, podemos observar, por um lado, uma minuciosidade asfixiante; por outro, um grande relaxamento em coisas verdadeiramente importantes: tinham abandonado o mais grave da Lei: a justiça, a misericórdia e a boa-fé. Não tinham sabido entender o que o Senhor realmente esperava deles.

Também nós, nestes dias do Advento, podemos melhorar o nosso exame de consciência, para não nos determos em coisas que, no fundo, são acidentais, e deixarmos escapar o que é verdadeiramente importante. Se nos acostumarmos a um exame de consciência diário – breve, mas profundo –, não cairemos na hipocrisia e na deformação dos fariseus. Enxergaremos com clareza os erros que afastam o nosso coração de Deus e saberemos reagir a tempo.

O exame é como um olho capaz de ver os recantos íntimos do coração, seus desvios e apegamentos. “Por ele vejo, sou iluminado, evito os perigos, corrijo os defeitos e endireito os meus caminhos. Por meio dele e servindo-me dele como tocha, observo claramente todo o meu interior; e assim não posso permanecer no mal, antes me sinto obrigado a praticar a verdade, isto é, a progredir na piedade” (3).

Se descuidarmos por preguiça o nosso exame, é possível que os erros e as más inclinações lancem as suas raízes na alma e não saibamos ver a grandeza a que fomos chamados, antes pelo contrário, fiquemos na menta, no anis e no cominho, em ninharias com as quais Deus pouco ou nada se importa.

Mediante o exame descobrimos a origem oculta das nossas faltas evidentes de caridade ou de trabalho, a raiz íntima da tristeza e do mau humor que se repetem, talvez com certa frequência, na nossa vida; e aprendemos a remediá-las. “Examina-te: devagar, com valentia. – Não é verdade que o teu mau humor e a tua tristeza inexplicáveis (inexplicáveis, aparentemente) procedem da tua falta de decisão em cortar os laços, sutis, mas «concretos», que te armou – arteiramente, com paliativos – a tua concupiscência?”(4)

O exame de consciência diário é uma ajuda imprescindível para podermos seguir a Deus com sinceridade de vida.

II. O EXAME DIÁRIO de consciência é uma revisão a fundo daquilo que escrevemos na página de cada dia; é, além disso, a oportunidade de reforçarmos o propósito de começar bem a nova página em branco que o nosso Anjo da Guarda nos apresentará da parte de Deus no dia seguinte: página única e irrepetível, como cada um dos dias da nossa vida. “É com gosto – escreve um autor contemporâneo – que encabeço com uma única palavra essas páginas em branco que cada manhã começamos a rabiscar: Serviam!, servirei, que é um desejo e uma esperança […].

“Depois deste início – desejo e esperança –, quero escrever palavras e frases, compor parágrafos e encher a página de uma letra clara e nítida, que mais não é do que o trabalho, a oração, o apostolado: toda a atividade do meu dia.

“Procuro pôr muita atenção na pontuação, que é o exercício da presença de Deus. Estas pausas, que são como vírgulas – ou pontos e vírgulas ou dois pontos, quando são mais longas –, representam o silêncio da alma e as jaculatórias com as quais me esforço por dar significado, sentido sobrenatural, a tudo o que escrevo.

“Gosto muito dos pontos e ainda mais dos pontos parágrafos, com os quais tenho a impressão de recomeçar a escrever: são como pequenos atos por meio dos quais retifico a intenção e digo ao Senhor que começo de novo – nunc coepi!, agora começo –, com a vontade reta de o servir e de lhe dedicar toda a minha vida, momento a momento, minuto a minuto.

“Ponho também a maior atenção nos acentos, que são as pequenas mortificações, por meio das quais a minha vida e o meu trabalho adquirem um significado verdadeiramente cristão. Uma palavra não acentuada é uma ocasião em que não soube viver cristãmente a mortificação que o Senhor me enviava, essa que Ele me tinha preparado com amor, essa que Ele desejava que eu descobrisse e abraçasse com gosto.

“Esforço-me para que não haja riscos, emendas ou manchas de tinta, nem espaços em branco, mas… quantas vezes fracasso! São as infidelidades, as imperfeições e os pecados… e as omissões. Dói-me muito ver que não existe quase nenhuma página em que não se tenham manifestado a minha insensatez e a minha falta de habilidade.

“Mas consolo-me e recupero a serenidade rapidamente, pensando que sou uma criança pequenina que ainda não sabe escrever e que precisa de uma régua para não escrever torto, e de um mestre que lhe dirija a mão, para não escrever bobagens. Que bom Mestre é Deus Nosso Senhor, e que imensa paciência tem comigo!” (5)

III. A FINALIDADE do exame de consciência é conhecermo-nos melhor, para podermos ser mais dóceis às contínuas graças que o Espírito Santo derrama em nós e assim nos assemelharmos cada vez mais a Cristo.

Uma das primeiras perguntas que devemos dirigir-nos, e que talvez nos possa dar luz abundante, é: Onde está o meu coração? O que é que ocupa mais espaço nele? É Cristo? “No mesmo instante em que me interrogo acerca desse ponto, tenho a resposta dentro de mim. Essa pergunta faz-me dirigir um rápido olhar para o centro mais íntimo de mim mesmo, e imediatamente vejo o aspecto saliente; dou ouvidos ao som emitido pela minha alma, e imediatamente percebo a nota dominante. É um procedimento intuitivo, instantâneo. É um relance de olhos, in ictu oculi. Umas vezes, percebo que a disposição que me domina é a ânsia de aplausos ou o temor de uma censura; outras, a irritação, nascida de uma contrariedade, de uma conversa ou de uma atitude que me mortificou, ou o ressentimento provocado por uma repreensão amarga e dura; outras, a amargura produzida pela desconfiança ou o mal-estar mantido por uma antipatia, ou talvez a covardia inspirada pela sensualidade, ou o desalento causado por uma dificuldade, por um fracasso; outras ainda, a rotina, fruto da indolência, ou a dissipação, fruto da curiosidade e da alegria vazia, etc. Ou, pelo contrário, o que me domina o coração é o amor a Deus, a sede de sacrifício, o fervor ateado por um toque especial da graça, a plena submissão à vontade de Deus, a alegria da humildade, etc. Seja como for, boa ou má, o que urge é averiguar qual a disposição principal e dominante, porque se deve ver tanto o bem como o mal, pois se trata de conhecer o estado do coração: é preciso que eu examine diretamente o mecanismo que faz mover todas as peças do relógio” (6).

Podemos perguntar-nos, quando fazemos o nosso exame de consciência, se no dia que passou cumprimos a vontade de Deus, isso que Ele esperava de nós, ou se, pelo contrário, fizemos apenas o que nós queríamos. E descer a detalhes concretos a respeito do nosso relacionamento com Deus, do cumprimento dos nossos deveres para com Ele mediante um plano de vida, bem como a respeito do trabalho e das nossas relações com o próximo.

Examinaremos o empenho com que lutamos contra a tendência para nos acomodarmos ou para inventar necessidades; que esforço fizemos, por exemplo, para levar uma vida sóbria e temperada na comida, na bebida e no uso dos bens materiais. Veremos se enchemos o dia de amor, ou se infelizmente o deixamos vazio para a eternidade – coisa que não acontecerá se tivermos sido dóceis aos toques da graça –, ou ainda, Deus não o queira, se o passamos em pecado. É como um pequeno Juízo antecipado a que nos submetemos.

Observaremos assim algumas coisas que devem ser levadas em conta para a próxima confissão, e faremos um ato de contrição, porque, se não há dor, o exame é inútil. Faremos ainda um pequeno propósito, que poderemos renovar ao iniciar-se o novo dia, no oferecimento de obras, na oração pessoal ou na Santa Missa. E, ao acabar, daremos graças a Deus por todas as coisas boas que nos trouxe o dia que se encerrou.

(1) Apoc 22, 12; Antífona da comunhão da Missa do sábado da segunda semana do Advento; (2) Mt 23, 23-24; (3) Joseph Tissot, A vida interior; (4) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, n. 237; (5) Salvador Canals,Reflexões espirituais, págs. 107-108; (6) Joseph Tissot, A vida interior.

 

“Falar com Deus” – festas litúrgicas e santos

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