O importante é ir para céu
De todos os objetivos da nossa vida, só um é realmente necessário: chegarmos à meta que Deus nos propôs, que é o Céu. Para alcançá-lo, devemos estar dispostos a sacrificar seja o que for. Tudo deve estar subordinado a essa meta, a única que vale a pena. E se há alguma coisa que, ao invés de ser ajuda, é obstáculo, devemos então retificá-la ou afastá-la.
É o que nos diz o Senhor no Evangelho da Missa1:Se a tua mão te escandaliza, corta-a… E se o teu pé te escandaliza, corta-o… E se o teu olho te escandaliza, arranca-o…
É preferível entrarmos manetas, coxos ou caolhos no Reino a sermos jogados inteiros na geena do fogo, onde nem o verme morre nem o fogo se apaga.
Com estas comparações tão vivas, o Senhor ensina-nos que temos obrigação de evitar os perigos de ofendê-lo e o dever grave de afastar as ocasiões próximas de pecado, pois quem ama o perigo, nele cairá2. Tudo aquilo que nos põe em risco de pecar deve ser afastado energicamente. Não podemos brincar com a nossa salvação nem com a do próximo.
Para um cristão que pretende agradar a Deus em tudo, normalmente os obstáculos que terá de remover não serão muito importantes, mas talvez pequenos caprichos, faltas de temperança ou de domínio do caráter, breves momentos de preguiça, excessiva preocupação pela saúde ou pelo bem-estar… Faltas mais ou menos habituais, pecados veniais, mas que devem ser tidos muito em conta, porque nos atrasam o passo e nos podem fazer tropeçar e mesmo cair em fraquezas mais importantes.
Se lutarmos generosamente, se tivermos claro o fim da nossa vida, trataremos de retificar com tenacidade esses obstáculos – tantas vezes fruto do temperamento –, para que deixem de sê-lo e se convertam em autênticas ajudas. O Senhor fez isso muitas vezes com os seus Apóstolos: converteu o ímpeto precipitado de Pedro em rocha firme sobre a qual assentaria a Igreja; transformou a impaciência brusca de João e Tiago (conhecidos por “filhos do trovão”) em zelo apostólico de pregadores incansáveis; e a incredulidade de Tomé, num testemunho claro da sua divindade. O que antes era obstáculo converteu-se depois, pela correspondência à graça do Senhor, numa grande ajuda.
II. A VIDA DO CRISTÃO deve ser uma contínua caminhada para o Céu. Tudo nos deve ajudar a firmar os nossos passos nessa trilha: a dor e a alegria, o trabalho e o descanso, o êxito e o fracasso… Assim como nos grandes negócios e nas tarefas importantes se estudam e se acompanham até os menores detalhes, assim devemos nós fazer com o negócio mais importante que temos entre mãos, o negócio da nossa salvação. No fim da nossa passagem pela terra, encontraremos esta única alternativa: ou o Céu (passando pelo purgatório, se tivermos de purificar-nos) ou o inferno, o lugar do fogo inextinguível, de que o Senhor falou explicitamente em muitas ocasiões.
Se o inferno não tivesse uma consistência real, e se não houvesse uma possibilidade igualmente real de os homens acabarem nele, Cristo não nos teria revelado com tanta clareza a sua existência, e não nos teria advertido tantas vezes: Vigiai! O demônio não desistiu de conseguir a perdição de nenhum homem, de nenhuma mulher, enquanto peregrinam neste mundo em direção ao seu fim definitivo; não desistiu de ninguém, seja qual for o lugar que ocupe e a missão que tenha recebido de Deus.
A existência de um castigo eterno, reservado aos que praticam o mal e morrem em pecado mortal, é uma verdade revelada já no Antigo Testamento3. E no Novo, Cristo falou-nos do castigo preparado para o diabo e os seus anjos4, do sofrimento dos servos maus que não cumpriram a vontade do seu senhor5, das virgens néscias que se viram sem o azeite das boas obras quando chegou o Esposo6, dos que se apresentaram sem o traje nupcial ao banquete de casamento7, dos que ofenderam gravemente os seus irmãos8 ou não quiseram ajudá-los nas suas necessidades materiais ou espirituais9… O mundo é comparado a uma eira em que há trigo e palha, até o momento em que Deus tomará a pá nas suas mãos e limpará a eira, ajuntando o trigo nos seus celeiros e queimando a palha no fogo inextinguível10.
O inferno não é uma espécie de símbolo para ser utilizado nas exortações morais, próprias de épocas antigas em que a humanidade estava menos evoluída. É uma realidade comunicada por Jesus Cristo, tão tristemente objetiva que o levou a mandar-nos – como lemos no Evangelho da Missa – que deixássemos qualquer coisa, por mais importante que fosse, para não corrermos o perigo de ir parar ali para sempre. É uma verdade de fé constantemente afirmada pelo Magistério. O Concílio Vaticano II, ao tratar da índole escatológica da Igreja, recorda-nos: “Devemos vigiar constantemente […] para que não sejamos mandados, como os servos maus e preguiçosos (cfr. Mt 25, 26), para o fogo eterno (cfr. Mt 25, 41), para as trevas exteriores, onde haverá choro e ranger de dentes”11.
Seria um grave erro não meditarmos de vez em quando neste tema transcendental, ou silenciá-lo na pregação, na catequese ou no apostolado pessoal. João Paulo II adverte que “a Igreja não pode omitir, sem grave mutilação da sua mensagem essencial, uma constante catequese sobre […] os quatro novíssimos do homem: a morte, o juízo (particular e universal), o inferno e o paraíso. Numa cultura que tende a encerrar o homem nas suas vicissitudes terrestres, mais ou menos bem sucedidas, pede-se aos Pastores da Igreja uma catequese que abra e ilumine com as certezas da fé o além que se seguirá à vida presente: para lá das misteriosas portas da morte, delineia-se uma eternidade de alegria na comunhão com Deus ou de pena no afastamento dEle”12.
O Senhor quer que nos conduzamos movidos pelo amor, mas, dada a fraqueza humana, conseqüência do pecado original e dos pecados pessoais, quis revelar-nos até onde o pecado nos pode levar, para que tenhamos mais um motivo para nos afastarmos dele: o santo temor de Deus, o temor de nos separarmos para sempre do Bem infinito, do verdadeiro Amor.
Os santos sempre consideraram um grande bem as revelações particulares que Deus lhes fez sobre a existência do inferno e a dureza e eternidade das suas penas: “Foi uma das maiores mercês que Deus me fez – escreve Santa Teresa –, porque me serviu muitíssimo, tanto para perder o medo às tribulações desta vida, como para me esforçar por padecê-las e por dar graças ao Senhor que me livrou, ao que me parece, de males tão perpétuos e terríveis”13.
Vejamos na nossa oração se existe alguma coisa na nossa vida, por pequena que seja, que nos separe de Deus ou em que não lutemos como deveríamos; vejamos se fugimos com prontidão e energia de toda a ocasião próxima de pecar; se pedimos com freqüência à Virgem Maria que nos dê um profundo horror a todo o pecado, a essa lepra que causa tantos estragos na alma, afastando-nos do seu Filho, nosso único Bem absoluto.
III. A CONSIDERAÇÃO DO NOSSO FIM último deve levar-nos à fidelidade no pouco de cada dia, a ganhar o Céu com os afazeres e os acontecimentos diários, a remover tudo aquilo que seja um obstáculo diário no nosso caminho. Deve levar-nos também ao apostolado, a ajudar aqueles que temos junto de nós para que encontrem a Deus e o sirvam nesta vida e sejam felizes com Ele por toda a eternidade.
Para isso, devemos começar por estar atentos às conseqüências da nossa atuação e das nossas omissões, a fim de não sermos nunca, nem remotamente, escândalo, ocasião de tropeço para os outros. O Evangelho da Missa traz também estas palavras de Jesus: E aquele que escandalizar um destes pequeninos que crêem em mim, melhor fora que lhe atassem ao pescoço uma pedra de moinho e o lançassem ao mar. Noutra ocasião, o Senhor tinha dito: É inevitável que haja escândalos, mas ai daquele que os causa!14 Não encontramos em todo o Evangelho palavras tão fortes como essas. Poucos pecados são tão graves como o de causar a ruína de uma alma, porque o escândalo tende a destruir a maior obra de Deus, que é a Redenção: mata a alma do próximo tirando-lhe a vida da graça, que é mais preciosa que a vida do corpo. Os pequenos são para Jesus, em primeiro lugar, as crianças, cuja inocência reflete de um modo particular a imagem de Deus; mas são também todas essas pessoas simples que nos rodeiam, com menos formação que nós e, por isso, mais fáceis de escandalizar.
À vista das muitas causas de escândalo que se dão diariamente no mundo, o Senhor pede aos seus discípulos que sejam exemplo vivo que arraste os outros a ser bons cristãos; que pratiquem a correção fraterna oportuna, afetuosa, prudente, uma correção que ajude os outros a remediar os seus erros ou a cortar com uma situação inconveniente para a sua alma; que incentivem muitos a viverem o sacramento da Penitência para reorientarem os seus passos. A realidade da existência do inferno, que a fé nos ensina, é um apelo urgente para que sejamos instrumento de salvação para muitos.
Recorramos à Santíssima Virgem: Iter para tutum!15, preparai-nos, Senhora, para nós e para todos os homens, um caminho seguro que termine na eterna felicidade do Céu.
(1) Mc 9, 40-49; (2) Ecle 3, 26-27; (3) cfr. Num 16, 30-33; Is 33, 14; Ecle 7, 18-19; Jo 10, 20-21; etc.; (4) cfr. Mt 25, 41; (5) cfr. Mt 24, 51; (6) cfr. Mt 25, 1 e segs.; (7) cfr. Mt 22, 1-14; (8) cfr. Mt 5, 22; (9) cfr. Mt 25, 41 e segs.; (10) Lc 3, 17; (11) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 48; (12) João Paulo II, Exort. Apost. Reconciliatio et paenitentia, 2-XII-1984, 26; (13) Santa Teresa, Vida, 32, 4; (14) Lc 17, 1; (15) Liturgia das Horas, Oração da tarde do comum de Nossa Senhora, Hino Ave, maris stella.
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