O silencio de Maria

I. GOSTARÍAMOS DE QUE os Evangelistas tivessem narrado mais acontecimentos e palavras de Santa Maria. O amor faz‑nos desejar mais notícias da nossa Mãe do Céu. No entanto, Deus cuidou de no‑las dar a conhecer, na medida em que nos era necessário, tanto durante a vida de Nossa Senhora aqui na terra como agora, depois de vinte séculos, através do Magistério da Igreja, que, com a assistência do Espírito Santo, desenvolve e explicita os dados revelados.

Pouco tempo depois da Anunciação, ainda que a Virgem não tivesse comunicado nada a Santa Isabel, esta penetrou no mistério da sua prima por revelação divina. O mesmo se passou com José, que não foi informado por Maria, mas por um anjo em sonhos, sobre a grandeza da missão daquela que já era sua esposa. No nascimento do Messias, Maria continuou a guardar silêncio, e os pastores foram informados pelos anjos do maior acontecimento da humanidade. Maria e José também nada disseram a Simeão e Ana quando, como um jovem casal entre muitos, foram a Jerusalém para apresentar o Menino no Templo. E, primeiro no Egito e depois em Nazaré, Maria não falou a ninguém do mistério divino que envolvia a sua vida. Nada comentou com os seus parentes e vizinhos. Limitou‑se a conservar todas estas coisas, ponderando‑as no seu coração1. “A Virgem não procurava, como tu e como eu, a glória que os homens dão uns aos outros. Bastava‑lhe saber que Deus sabe tudo. E que não necessita de pregadores para anunciar aos homens os seus prodígios. Que, quando quer, os céus publicam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos (Sl 18, 1‑2). Dos ventos fazes os teus mensageiros, e do fogo ardente os teus ministros (Sl 104, 4)”2.

“É tão formosa a Mãe no perene recolhimento com que o Evangelho no‑la mostra!… Conservava todas estas coisas, ponderando‑as no seu coração! Esse silêncio pleno tem o seu encanto para a pessoa que ama”3. Na intimidade da sua alma, Nossa Senhora foi penetrando cada vez mais no mistério que lhe tinha sido revelado. Mestra de oração, ensinou‑nos a descobrir Deus – tão perto das nossas vidas! – no silêncio e na paz dos nossos corações, pois “só quem pondera com espírito cristão as coisas no seu coração pode descobrir a imensa riqueza do mundo interior, do mundo da graça, desse tesouro escondido que está dentro de nós […]. Foi este ponderar as coisas no coração que fez com que a Virgem Maria fosse crescendo, com o decorrer do tempo, na compreensão do mistério, na santidade e na união com Deus”4.

O Senhor também nos pede esse recolhimento interior em que guardamos tantos encontros com Ele, preservando‑os dos olhares indiscretos ou vazios para tratar deles a sós “com quem sabemos que nos ama”5.

II. “A ANUNCIAÇÃO REPRESENTA o momento culminante da fé de Maria à espera de Cristo, mas é além disso o ponto de partida do qual arranca todo o seu caminho para Deus, todo o seu caminho de fé”6. Esta fé foi crescendo de plenitude em plenitude, pois Nossa Senhora não compreendeu tudo ao mesmo tempo nas suas múltiplas manifestações. Com o correr dos dias, talvez sorrisse ao recordar a perplexidade que a levara a perguntar ao Anjo como poderia conceber se não conhecia varão, ou ao interrogar Jesus sobre o motivo por que se separara de seus pais para passar três dias no Templo sem os avisar… Podia agora admirar‑se de não ter entendido o que já então se lhe manifestava7.

O recolhimento de Maria – em que Ela penetra nos mistérios divinos acerca do seu Filho – é paralelo ao da sua discrição. “Para que as coisas possam guardar‑se no interior e ser ponderadas no coração, é condição indispensável guardar silêncio. O silêncio é o clima que torna possível o pensamento profundo. Quem fala demasiado dissipa o coração e leva‑o a perder tudo o que há de valioso no seu interior; assemelha‑se então a um frasco de essência que, por estar destapado, perde o perfume, ficando apenas com água e um ligeiro aroma a recordar vagamente o precioso conteúdo de outrora”8.

A Virgem também guardou um discreto silêncio durante os três anos da vida pública de Jesus. A partida do seu Filho, o entusiasmo da multidão, os milagres, não mudaram a sua atitude. Apenas o seu coração experimentou a ausência de Jesus. Mesmo quando os Evangelistas falam das mulheres que acompanhavam o Mestre e o serviam com os seus bens9, nada dizem de Maria, que certamente permaneceu em Nazaré.

Não é de estranhar que a Virgem procurasse vez por outra o seu Filho, para vê‑lo, ouvi‑lo, falar com Ele… O Evangelho da Missa10 narra uma dessas ocasiões. A sua Mãe foi vê‑lo, acompanhada por alguns parentes, mas, ao chegar à porta da casa, não pôde entrar por causa da multidão que se juntara ao redor do seu Filho. Avisaram Jesus de que sua Mãe estava fora e desejava vê‑lo. Então, segundo diz São Marcos11, Jesus, olhando para os que estavam sentados à sua volta, disse: Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, e minha irmã, e minha mãe.

A Virgem não se desconcertou com a resposta. A sua vida de fé e de oração fizeram‑na entender que o seu Filho se referia muito particularmente a Ela, pois ninguém esteve jamais tão unido a Jesus como Ela, ninguém como Ela cumpriu com tanto amor a vontade do Pai. O Concílio Vaticano II recorda‑nos que a Santíssima Virgem “acolheu as palavras com que o Filho, exaltando o Reino acima de raças e vínculos da carne e do sangue, proclamou bem‑aventurados os que ouvem e guardam a palavra de Deus, tal como Ela mesma fielmente o fazia”12. Maria é mais amada por Jesus em virtude dos laços criados em ambos pela graça do que por força da geração natural, que fez dEla sua mãe no plano humano. Mas Maria também guardou silêncio nessa ocasião; não explicou a ninguém que as palavras do Mestre se dirigiam especialmente a Ela. Depois, passados talvez uns poucos minutos, a Mãe encontrou‑se com o Filho e certamente agradeceu‑lhe tão extraordinário louvor.

Jesus dirige‑se a nós de muitas maneiras, mas só entenderemos a sua linguagem num clima habitual de recolhimento, de guarda dos sentidos, de oração, de paciente espera. Porque o cristão, como o poeta, o escritor e o artista, deve saber aquietar “a impaciência e o temor […], aprender – talvez com dor – que só quando a semente escondida na terra germinou, e vingou, e lançou numerosas raízes, é que brota uma pequena planta. E ao ouvir que lhe perguntam sorridentes: Mas isto é tudo?, deve dizer que sim, e estar convencido de que só se a planta estiver bem enraizada, é que irá crescendo, até que, já transformada em árvore, venha a mostrar com os seus ramos – conforme se julgava em épocas passadas – a extensão da sua profundidade”13.

III. O SILÊNCIO INTERIOR, o recolhimento que o cristão deve ter é plenamente compatível com o trabalho, a atividade social e a azáfama em que a vida nos mergulha, pois “nós, os filhos de Deus, temos de ser contemplativos: pessoas que, no meio do fragor da multidão, sabem encontrar o silêncio da alma em colóquio permanente com o Senhor; e olhá‑lo como se olha para um Pai, como se olha para um Amigo, a quem se ama com loucura”14.

A própria vida humana, se não estiver dominada pela frivolidade, pela vaidade ou pela sensualidade, tem sempre uma dimensão profunda, íntima, um certo recolhimento que adquire o seu pleno sentido em Deus. É aí que conhecemos a verdade acerca dos acontecimentos e o valor das coisas. Recolher‑se – “juntar o que está separado”, restabelecer a ordem perdida – consiste, em boa parte, em evitar a dispersão dos sentidos e potências, em buscar a Deus no silêncio do coração, que dá sentido a todo o acontecer diário. O recolhimento é patrimônio de todos os fiéis que buscam o Senhor com empenho. Sem esta luta decidida – e contando sempre com a ajuda da graça –, não seria possível esse silêncio interior, não só no meio do ruído da rua como também na maior das solidões.

Para termos Deus conosco em qualquer circunstância, e para estarmos mergulhados nEle enquanto trabalhamos ou descansamos, ser‑nos‑ão de grande ajuda – e mesmo imprescindíveis – esses tempos que dedicamos especialmente ao Senhor, como este em que procuramos estar na sua presença, falar‑lhe e pedir‑lhe… “Procura encontrar diariamente uns minutos dessa bendita solidão que tanta falta te faz para teres em andamento a vida interior”15.

Num mundo de tantos apelos externos, faz‑nos muita falta “esta estima pelo silêncio, esta admirável e indispensável condição do nosso espírito, assaltado por tantos clamores […]. Ó silêncio de Nazaré, ensina‑nos esse recolhimento, a interioridade, a disponibilidade para escutarmos as boas inspirações e as palavras dos verdadeiros mestres. Ensina‑nos a necessidade e o valor da preparação, do estudo, da meditação, da vida pessoal e interior, da oração secreta que só Jesus vê”16.

Da Virgem Nossa Senhora, aprendemos a estimar cada dia mais esse silêncio do coração que não é vazio, mas riqueza interior, e que, longe de nos separar dos outros, nos aproxima mais deles, porque nos faz entendê‑los na sua verdadeira importância, nos seus anseios, inquietações e necessidades.

(1) Lc 2, 51; (2) Salvador Muñoz Iglesias, O Evangelho de Maria, Quadrante, São Paulo, 1991, pág. 21; (3) Chiara Lubich, Meditações, Cidade Nova, Madrid, 1989, pág. 14; (4) Federico Suárez, A Virgem Nossa Senhora, 4ª ed., Prumo, Lisboa, 1983, pág. 183‑184; (5) Santa Teresa, Vida, 8, 2; (6) João Paulo II, Carta Encíclica Redemptoris Mater, 25.03.87, 14; (7) cfr. Jean Guitton, La Vírgen Maria, 2ª ed., Rialp, Madrid, 1964, pág. 109; (8) Federico Suárez, A Virgem Nossa Senhora, pág. 185; (9) cfr. Lc 8, 19‑21; (10) Lc 8, 19‑21; (11) Mc 3, 34; (12) Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 58; (13) Federico Delclaux, El silencio creador, Rialp, Madrid, 1969, pág. 15; (14) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Forja, n. 738; (15) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Caminho, n. 304; (16) Paulo VI, Alocução em Nazaré, 5.01.64.

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