Olhar para Cristo. Vida de piedade | 5ª Semana da quaresma – 3ª feira

Quando eu for levantado sobre a terra, atrairei todos os homens a mim, diz o Senhor.

A primeira leitura da Missa de hoje traz-nos uma passagem do Livro dos Números2 em que se narra como o povo de Israel começou a murmurar contra o Senhor e contra Moisés porque, embora tivesse sido libertado e tirado do Egito, estava cansado de caminhar em direção à Terra Prometida. O Senhor, como castigo, enviou contra o povo serpentes venenosas que morderam e mataram muitos. Então recorreram a Moisés reconhecendo o seu pecado, e Moisés intercedeu junto de Deus para que os livrasse das serpentes. O Senhor disse: Faz uma serpente e coloca-a no alto de um poste. Todo aquele que for mordido será salvo ao olhar para ela. Moisés fez, pois, uma serpente de bronze e fixou-a sobre um poste. Quando alguém era mordido por uma serpente, olhava para a serpente de bronze e ficava curado.

Esta passagem do Antigo Testamento, além de ser um relato histórico, é imagem e figura do que haveria de acontecer mais tarde com a chegada do Filho de Deus. Na conversa íntima de Jesus com Nicodemos, o Senhor faz uma referência direta a esse relato:Assim como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é preciso que o Filho do homem seja levantado, a fim de que todo o homem que nele crer tenha a vida eterna3. Cristo na Cruz é a salvação do gênero humano, o remédio para os nossos males. Dirigiu-se voluntariamente para o Calvário, a fim de que todo o homem que nele crer tenha a vida eterna.

As serpentes e o veneno que em todas as épocas atacam o povo de Deus, peregrino em direção à Terra Prometida que é o Céu, são muito parecidos: egoísmo, sensualidade, confusões e erros doutrinários, preguiça, inveja, murmurações, calúnias… A graça recebida no Batismo, chamada a desenvolver-se plenamente, está ameaçada pelos mesmos inimigos de sempre. Em todas as épocas se podem notar as feridas produzidas pelo pecado original e pelos pecados pessoais.

Nós, cristãos, devemos procurar o remédio e o antídoto no único lugar em que se encontra: em Jesus Cristo e na sua doutrina salvadora. Não podemos deixar de olhar para o Senhor, elevado sobre a terra na Cruz, se de verdade desejamos chegar à Terra Prometida que está no final deste curto caminho que é a vida.

Olhar para Jesus: pôr diante dos olhos a sua Humanidade Santíssima, contemplando-o nos mistérios do Rosário, na Via Sacra, nas cenas narradas pelo Evangelho ou no Sacrário. Só com uma grande piedade seremos fortes ante as investidas de um mundo que parece querer distanciar-se cada vez mais de Deus, arrastando consigo os que não se encontram em terra firme e segura.

Não podemos afastar os olhos do Senhor, porque vemos os estragos que o inimigo faz à nossa volta todos os dias. E ninguém está imune por si mesmo. Vultum tuum, Domine, requiram: Procurarei a vossa face, Senhor; desejo ver-vos4. Devemos procurar a fortaleza na amizade com Jesus, através da oração, dos atos de presença de Deus fomentados ao longo do dia e na visita ao Santíssimo Sacramento. Além disso, o Senhor, Jesus, não é só o remédio para a nossa fraqueza; é também o nosso Amor.

II. O SENHOR QUER ver os cristãos metidos no âmago da sociedade, laboriosos nas suas tarefas, ocupados num trabalho que normalmente vai da manhã até à noite. Jesus espera de nós que, além de olhá-lo e conversar com Ele nos momentos dedicados expressamente à oração, não o esqueçamos enquanto trabalhamos, da mesma forma que não nos esquecemos das pessoas que amamos nem das coisas importantes da nossa vida. Jesus é o que temos de mais importante no nosso dia. Por isso, cada um de nós deve ser “alma de oração sempre!, em qualquer ocasião e nas circunstâncias mais díspares, porque Deus nunca nos abandona. Não é cristão pensar na amizade divina exclusivamente como um recurso extremo. Pode parecer-nos normal ignorar ou desprezar as pessoas que amamos? É evidente que não. Vão constantemente para os que amamos as palavras, os desejos, os pensamentos: há como que uma presença contínua. Pois bem, com Deus também é assim”5.

Para termos Jesus presente durante o dia, precisamos de lançar mão com freqüência de “«expedientes humanos»: jaculatórias, atos de Amor e desagravo, comunhões espirituais, «olhares» à imagem de Nossa Senhora”6, e de alguns meios humanos que nos lembrem que já se passou um período de tempo (longo para quem ama) em que não recorremos ao Senhor, à Virgem, ao Anjo da Guarda… Quando queremos lembrar-nos de alguma coisa durante o dia, todos procuramos algum expediente para não nos esquecermos. Se pusermos o mesmo interesse em lembrar-nos do Senhor, o nosso dia se encherá de pequenas lembranças, de pequenas associações de idéias, que nos levarão a tê-lo presente.

O pai ou mãe de família leva no carro uma fotografia da família para se lembrar dela durante o seu trajeto pela cidade ou quando viaja. Por que não podemos levar uma imagem de Nossa Senhora na carteira, para lhe dizer ao olhá-la: Mãe! Minha Mãe!? Por que não ter ao alcance da mão um crucifixo que possamos beijar discretamente, que nos ajude a fazer atos de reparação, que possamos olhar quando o estudo ou o trabalho se tornam mais pesados?

Esses recordatórios, esses expedientes para avivarmos em nós a presença de Deus, são inúmeros, porque o amor é inventivo. Serão diferentes conforme se trate de um médico que vai começar uma operação ou de uma mãe de família que, à mesma hora, talvez comece a pôr a casa em ordem. O motorista de um ônibus terá também os seus “expedientes humanos” (saberá muito bem quando está mais perto de Jesus porque já vai divisando os muros de certa igreja), e a costureira, que permanece praticamente no mesmo lugar durante o dia todo, terá os seus. Tudo isso vivido com espírito esportivo e alegre, sem afobações, mas com amor: “As jaculatórias não dificultam o trabalho, como o bater do coração não estorva o movimento do corpo”7.

Pouco a pouco, se perseverarmos, chegaremos a conservar-nos na presença de Deus com toda a naturalidade e como coisa normal. O que não quer dizer que não tenhamos que lutar e empenhar-nos sempre.

III. MUITAS VEZES, conta-nos o evangelista, o Senhor retirava-se para orar, talvez durante horas: De manhã, tendo-se levantado muito antes do amanhecer, saiu e foi a um lugar solitário, e ali se pôs em oração8; mas outras vezes dirigia-se a seu Pai-Deus com uma oração curta, amorosa, como uma jaculatória: Eu te glorifico, Pai, Senhor do céu e da terra…9;Pai, dou-te graças porque me ouviste…10;

O evangelista mostra-nos ainda como Jesus se comovia com os pedidos dos que o procuravam. Eram súplicas que também nos podem servir a nós de jaculatórias. É o leproso que diz:Senhor, se queres, podes curar-me…11; e o cego de Jericó que brada: Jesus, filho de Davi, tem compaixão de mim…12; e o bom ladrão que murmura: Senhor, lembra-te de mim quando estiveres no teu reino…13 Jesus, comovido com essas orações cheias de fé, não os fazia esperar.

Muitas vezes, estas e outras expressões podem servir-nos para pedir perdão, como fez o publicano que voltou para casa justificado: Senhor, tem piedade de mim que sou pecador14; ou como fez São Pedro, depois das negações: Senhor, tu sabes tudo, tudo sabes que eu te amo15, apesar das minhas faltas. Ou podem ajudar-nos a pedir mais fé: Creio, Senhor, mas ajuda a minha incredulidade16, fortalece a minha fé; ou como diz Tomé – Meu Senhor e meu Deus17 – quando Jesus lhe aparece ressuscitado: é um ato maravilhoso de fé e de entrega, que talvez nos tenham ensinado a repetir quando dobramos o joelho diante do Sacrário.

Existem, pois, muitas jaculatórias e orações breves que podemos dizer do fundo da alma, e que traduzem necessidades ou situações concretas pelas quais passamos. Por vezes, nem sequer será necessário pronunciá-las: bastará um olhar, ou uma só palavra, ou um pensamento um pouco desalinhavado, mas cheio de amor ou de desagravo…, um pedido que não aflora, mas que o Senhor capta imediatamente. Para uma alma unida a Deus, as jaculatórias, os atos de amor surgem naturalmente, são quase espontâneos, como um respirar sobrenatural que alimenta a sua união com Deus. E isto no meio das ocupações mais absorventes, porque o Senhor espera de todos esta vida de oração e de união com Ele.

Santa Teresa recorda a marca que certa jaculatória deixou na sua vida: “Acontecia estar muitos momentos tratando disto e gostávamos de dizer muitas vezes: «Para sempre, para sempre, para sempre!» Pronunciando-o durante muito tempo, foi o Senhor servido que me ficasse impresso nessa infância o caminho da verdade”18.

Sempre teremos inúmeras ocasiões de dizer uma jaculatória. A leitura do Evangelho e a própria oração serão muitas vezes uma fonte de jaculatórias, que servirão de veículo para manifestarmos o nosso amor ao Senhor e à sua Mãe Santíssima.

Ao terminarmos a nossa oração, dizemos com os discípulos de Emaús: Mane nobiscum, Domine, quoniam advesperascit19. Fica conosco, Senhor, porque, quando Tu não estás presente, faz-se noite para nós. Tudo é escuridão quando Tu não estás.

E recorremos à Virgem, a quem também sabemos dirigir essas jaculatórias e atos de amor: Ave, Maria…, bendita sois vós entre as mulheres.

(1) Jo 12, 32;Antífona da comunhão da Missa da terça-feira da quinta semana da Quaresma; (2) Num 21, 4-9; Primeira leitura da Missa da terça-feira da quinta semana da Quaresma; (3) Jo 3, 14-15; (4) Sl 26; (5) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 247; (6) Josemaría Escrivá, cfr. Caminho, n. 272; (7) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 516; (8) Mc 1, 35; (9) Mt 11, 25; (10) Mt 11, 25; (11) Mt 8, 2-3; (12) Lc 18, 38-39; (13) Lc 23, 42-43; (14) cfr. Lc 18, 13; (15) Jo 21, 17; (16) Mc 9, 23; (17) Jo 20, 28; (18) Santa Teresa, Vida, 1, 4; (19) Lc 24, 29.

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