Salvar o que está perdido – Sábado depois das cinzas
O Evangelho da Santa Missa conta-nos a vocação de Mateus: a chamada que o Senhor lhe dirigiu e a rápida resposta que o cobrador de tributos lhe deu. Ele, deixando tudo, levantou-se e o seguiu.
O novo Apóstolo quis mostrar o seu agradecimento a Jesus com um banquete que São Lucas qualifica de grande. Estavam sentados à mesa um grande número de cobradores e outros. Ali estavam todos os seus amigos.
Os fariseus escandalizaram-se. Perguntavam aos discípulos: Por que comeis e bebeis com os publicanos e pecadores?Os publicanos eram considerados pecadores por causa dos benefícios exorbitantes que podiam obter na sua profissão e das relações que mantinham com os gentios.
Jesus respondeu aos fariseus com estas palavras consoladoras: Não são os que gozam de boa saúde que necessitam de médico, mas os enfermos. Não vim chamar à conversão os justos, mas os pecadores2.
Jesus vem oferecer o seu reino a todos os homens; a sua missão é universal. “O diálogo de salvação não ficou condicionado aos méritos daqueles a quem se dirigia; abriu-se a todo os homens, sem discriminação alguma…”3 Jesus vem para todos, pois todos estamos doentes e somos pecadores: Ninguém é bom a não ser Deus4. Todos nós devemos recorrer à misericórdia e ao perdão de Deus para ter a vida5 e alcançar a salvação. A humanidade não está dividida em dois blocos: os que já estão justificados pelas suas forças e os pecadores. Todos necessitamos diariamente do Senhor. Os que pensam não ter necessidade de Deus não conseguem a saúde, continuam mergulhados na sua morte ou na sua doença.
As palavras do Senhor, que se apresenta como Médico, animam-nos a pedir humilde e confiadamente perdão dos nossos pecados e também dos das pessoas que parecem querer continuar vivendo afastadas de Deus. Hoje exclamamos com Santa Teresa: “Oh que coisa difícil vos peço, meu Deus verdadeiro: que queirais a quem não vos quer, que abrais a porta a quem não vos chama, que deis saúde a quem gosta de estar doente e anda procurando a doença! Vós dizeis, meu Senhor, que vindes chamar os pecadores: são estes, Senhor, os pecadores verdadeiros. Não olheis a nossa cegueira, meu Deus, mas o muito sangue que o vosso Filho derramou por nós. Resplandeça a vossa misericórdia no meio de tão grande maldade; considerai, Senhor, que somos obra das vossas mãos”6. Se recorrermos assim a Jesus, com humildade, Ele sempre terá misericórdia de nós e daqueles que procuramos aproximar dEle.
II. NO ANTIGO TESTAMENTO, o Messias é descrito como o pastor que virá cuidar com solicitude das suas ovelhas e curar as que estão feridas ou doentes7. O Senhor veio buscar o que estava perdido, chamar os pecadores, dar a sua vida em resgate por muitos8. Como tinha sido profetizado, foi Ele quem suportou os nossos sofrimentos e carregou as nossas dores, e graças às suas chagas fomos curados9.
Cristo é o remédio para os nossos males: todos andamos doentes e por isso temos necessidade de Cristo. Ele “é Médico, e cura o nosso egoísmo se deixarmos que a sua graça penetre até o fundo da alma”10. Devemos procurá-lo como o doente procura o médico, dizendo-lhe a verdade sobre o que sentimos, com o desejo de nos curarmos. “Jesus advertiu-nos de que a pior doença é a hipocrisia, o orgulho que leva a dissimular os pecados próprios. Com o Médico, é imprescindível que tenhamos uma sinceridade absoluta, que lhe expliquemos toda a verdade e digamos: Domine, si vis, potes me mundare (Mt VIII, 2), Senhor, se quiseres – e Tu queres sempre –, podes curar-me. Tu conheces a minha debilidade; sinto estes sintomas e experimento estas outras fraquezas. E descobrimos com simplicidade as chagas; e o pus, se houver pus. Senhor, Tu que curaste tantas almas, faz com que, ao ter-te no meu peito ou ao contemplar-te no Sacrário, te reconheça como Médico divino”11.
Umas vezes, o Senhor atua diretamente na nossa alma: Quero, fica limpo12, segue adiante, sê mais humilde, não te preocupes. Noutras ocasiões, e sempre que haja um pecado grave, o Senhor diz: Ide e mostrai-vos ao sacerdote13, ide ao sacramento da Penitência, onde a alma encontra sempre o remédio oportuno.
“Refletindo sobre a função deste Sacramento – diz o Papa João Paulo II –, a consciência da Igreja descobre nele, além do caráter judicial […], um caráter terapêutico ou medicinal. E isto relaciona-se com a comprovação de que, no Evangelho, Cristo se apresenta freqüentemente como médico, enquanto a sua obra redentora é muitas vezes chamada, desde a antigüidade cristã, «remédio da salvação» (medicina salutis). «Eu quero curar, não acusar» – dizia Santo Agostinho, referindo-se ao exercício da pastoral penitencial –, e é graças ao remédio da Confissão que a experiência do pecado não degenera em desespero”14. Desemboca numa grande paz, numa imensa alegria.
Contamos sempre com o alento e a ajuda do Senhor para voltar e recomeçar. É Ele quem dirige a luta, e “um chefe no campo de batalha estima mais o soldado que, depois de ter fugido, volta e ataca o inimigo com mais ardor do que aquele que nunca desertou, mas que também nunca empreendeu uma ação valorosa”15. Santifica-se não somente aquele que nunca cai, mas também aquele que sempre se levanta. O mal não está em ter defeitos – porque não há quem não os tenha –, mas em pactuar com eles, em não lutar. E Cristo nos cura como Médico e depois nos ajuda a lutar.
III. SE ALGUMA VEZ nos sentirmos especialmente desanimados por força de alguma doença espiritual que nos pareça incurável, não nos esqueçamos destas consoladoras palavras de Cristo: Não são os que gozam de boa saúde que necessitam de médico, mas os enfermos. Tudo tem remédio. O Senhor está sempre muito perto de nós, mas especialmente nesses momentos, por maior que tenha sido a falta, por muitas que sejam as misérias. Basta sermos sinceros de verdade.
“Todas as tuas doenças serão curadas – diz Santo Agostinho –. «Mas são muitas», dirás. Mais poderoso é o Médico. Para o Todo-Poderoso, não há doença incurável; limita-te a deixar-te curar, coloca-te nas suas mãos”16. Devemos aproximar-nos do Senhor como aquelas pessoas simples que o rodeavam, como os cegos, os coxos e os paralíticos que o procuravam porque desejavam ardentemente a sua cura. Só aquele que sabe e se sente manchado experimenta a necessidade profunda de ficar limpo; só quem é consciente das suas feridas e das suas chagas experimenta a urgência de ser curado. Devemos sentir a profunda preocupação de curar todos os pontos que o nosso exame de consciência nos mostre que devem ser curados.
No dia em que foi chamado, Mateus deixou a sua antiga vida para recomeçar outra nova ao lado de Cristo. Hoje, podemos fazer nossa esta oração de Santo Ambrósio: “Como ele, eu também quero deixar a minha antiga vida e não seguir outro que não sejas Tu, Senhor, Tu que curas as minhas feridas. Quem poderá separar-me do amor de Deus que se manifesta em Ti?… Estou atado à fé, pregado nela; estou atado pelos santos vínculos do amor. Todos os teus mandamentos serão como um cautério que terei sempre aplicado ao meu corpo…; o remédio arde, mas afasta a infecção da chaga. Corta, pois, Senhor Jesus, a podridão dos meus pecados. Enquanto me tens unido a ti com os vínculos do amor, corta tudo o que está infectado. Apressa-te a lancetar as minhas paixões escondidas, secretas e múltiplas; abre a ferida, para que a doença não se propague por todo o corpo… Achei um médico que mora no Céu, mas que distribui os seus remédios na terra. Só Ele pode curar as minhas feridas, porque não as padece; só ele pode tirar do coração a pena, e da alma o temor, porque conhece as coisas mais íntimas”17.
Não nos esqueçamos disto quando nos sentirmos esmagados pelo peso das nossas fraquezas. Mas também não o esqueçamos se alguma vez, no nosso apostolado pessoal, nos parecer que alguém tem uma doença da alma sem aparente solução. Existe solução; sempre existe.
(1) Lc 5, 27-32; (2) Lc 5, 31-32; (3) Paulo VI, Enc. Ecclesiam suam, 6-VIII-1964; (4) Mc 10, 18; (5) cfr. Jo 10, 28; (6) Santa Teresa, Exclamações, 8; (7) cfr. Is 61, 1 e segs.; Ez 34, 16 e segs.; (8) cfr. Lc 19, 10; (9) Is 53, 4 e segs.; (10) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 93; (11) ib.; (12) Mt 8, 3; (13) Lc 17, 14; (14) João Paulo II, Exort. Apost. Reconciliatio et paenitentia, 2-XII-1984, 31, II; (15) São Gregório Magno, Homilia sobre os Evangelhos, 4, 4; (16) Santo Agostinho, Comentário ao Salmo 102; (17) Santo Ambrósio, Comentário ao Evangelho segundo Lucas, 5, 27.
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