XIX Domingo do tempo comum

A LITURGIA DA PALAVRA deste Domingo recorda‑nos que a vida na terra é uma espera, não muito longa, até que o Senhor venha de novo.

A fé que guia os nossos passos é precisamente o fundamento das coisas que se esperam1, como se pode ler na segunda Leitura. Por meio dessa virtude teologal, o cristão adquire uma firme garantia acerca das promessas do Senhor, e uma posse antecipada dos dons divinos. A fé dá‑nos a conhecer com certeza duas verdades fundamentais da existência humana: que o nosso destino é o Céu e, por isso, todas as outras coisas devem ordenar‑se para esse fim supremo e subordinar‑se a ele; e que o Senhor deseja ajudar‑nos, com meios superabundantes, a consegui‑lo2.

Nada nos deve desanimar no caminho para a santidade, porque nos apoiamos nestas “três verdades: Deus é onipotente, Deus ama‑me imensamente, Deus é fiel às suas promessas. E é Ele, o Deus das misericórdias, quem acende em mim a confiança. Por isso eu não me sinto só, nem inútil, nem abandonado, mas envolvido num destino de salvação que desembocará um dia no Paraíso”3. A Bondade, a Sabedoria e a Onipotência divinas constituem o alicerce firme da esperança humana.

Deus é onipotente. Estão‑lhe submetidas todas as coisas: o vento, o mar, a saúde, a doença, os céus, a terra… E Ele serve‑se de tudo e dispõe tudo para a salvação da minha alma e da de todos os homens. Não deixa de empregar um único meio para o bem dos seus filhos, por mais que pareçam estar sós e abandonados. Toda a infinita força de Deus coloca‑se a serviço da salvação e santificação dos homens. E ainda que o mau uso da nossa liberdade possa tornar inúteis os meios divinos, sempre é possível o perdão, e sempre é possível, portanto, conservar a esperança. Deus é onipotente; Deus pode tudo, é nosso Pai e é Amor4.

Deus ama‑me imensamente, como se eu fosse o seu único filho. Não me abandona nunca na minha peregrinação por esta terra; procura‑me quando me perco por minha culpa, ama‑me com obras, dispondo todas as coisas para o bem da minha alma. O amor de um pai ou de uma mãe, com todo o atrativo que possui, é somente um pálido reflexo do amor de Deus.

Deus é fiel às suas promessas, apesar dos nossos retrocessos, traições e deslealdades, da nossa falta de correspondência às instâncias divinas. Ele nunca nos deixa, não se cansa, é paciente com os homens, de uma paciência infinita. Enquanto caminhamos pela terra, não abandona ninguém, não considera ninguém irrecuperável. Sempre encontramos a Deus de braços abertos, como o filho pródigo encontrou seu pai.

O Senhor espera a nossa conversão sincera e uma correspondência cada vez mais generosa: espera que estejamos vigilantes para que não adormeçamos na tibieza, para que andemos sempre despertos. A esperança está intimamente relacionada com um coração vigilante; depende em boa parte do amor5.

II. JESUS EXORTA‑NOS à vigilância, porque o inimigo não descansa, está sempre à espreita6, e porque o amor nunca dorme7. O Senhor adverte‑nos no Evangelho da Missa8: Estejam cingidos os vossos rins e tende nas vossas mãos lâmpadas acesas; fazei como os homens que esperam o seu senhor quando volta das bodas, para que, quando vier e bater à porta, logo lha abram.

Os judeus costumavam usar umas túnicas folgadas e por isso cingiam‑nas com um cinturão para poderem andar e executar determinados trabalhos. “Ter as roupas cingidas” é uma imagem expressiva utilizada para indicar que alguém se preparava para realizar um trabalho, para empreender uma viagem, para entrar em luta9. Do mesmo modo, “ter as lâmpadas acesas” indica a atitude própria daquele que está de vigia ou espera a chegada de alguém10. Quando o Senhor vier no final da nossa vida, deve encontrar‑nos assim: em estado de vigília, como quem vive o momento presente; servindo por amor e empenhados em melhorar as realidades terrenas, mas sem perder o sentido sobrenatural da vida, o fim para que tudo se dirige; avaliando devidamente as coisas terrenas – a profissão, os negócios, o descanso… –, sem esquecer que nada disso tem um valor absoluto, e que deve servir‑nos para amar mais a Deus, para ganhar o Céu e servir os homens.

Não é muito o tempo que nos separa do encontro definitivo com Cristo; cada dia que passa aproxima‑nos mais da eternidade. Pode ser neste ano, ou no próximo, ou no seguinte… Seja como for, sempre nos parecerá que a vida passou muito depressa. O Senhor virá na segunda ou na terceira vigília… “E como não sabemos nem o dia nem a hora, é necessário, conforme a advertência do Senhor, que vigiemos constantemente para que, terminado o prazo improrrogável da nossa vida terrena (cfr. Hebr 9, 27), mereçamos entrar com Ele na festa e sermos contados entre os eleitos”11. Para os que tiverem vivido de costas para Deus, virá como algo completamente inesperado: como um ladrão no meio da noite12. Sabei isto: se o dono da casa soubesse a que horas viria o ladrão, não permitiria que lhe roubassem a casa. Estai, pois, preparados… E São João Crisóstomo comenta que “com isto, parece confundir aqueles que não põem tanto cuidado em guardar a sua alma como em guardar as suas riquezas do ladrão que esperam”13.

“À vigilância opõe‑se a negligência ou falta da devida solicitude, que procede de um certo desinteresse da vontade”14. Estamos vigilantes quando fazemos com profundidade o exame de consciência diário. “Observa a tua conduta com vagar. Verás que estás cheio de erros, que te prejudicam a ti e talvez também aos que te rodeiam.

“– Lembra‑te, filho, de que não são menos importantes os micróbios do que as feras. E tu cultivas esses erros, esses desacertos – como se cultivam os micróbios no laboratório –, com a tua falta de humildade, com a tua falta de oração, com a tua falta de cumprimento do dever, com a tua falta de conhecimento próprio… E, depois, esses focos infectam o ambiente.

“– Precisas de um bom exame de consciência diário, que te leve a propósitos concretos de melhora, por sentires verdadeira dor das tuas faltas, das tuas omissões e pecados”15.

III. ESTAREMOS VIGILANTES no amor e longe da tibieza e do pecado se nos mantivermos fiéis a Deus nas pequenas coisas que preenchem o dia. Quem se habitua a repassar as pequenas coisas de cada dia no seu exame de consciência descobre com facilidade os indícios e as raízes que denunciam um possível extravio não muito longínquo. As pequenas coisas são a ante‑sala das grandes, tanto no sentido negativo como positivo.

São Francisco de Sales fala‑nos da necessidade de lutar nas pequenas tentações, pois são muitas as ocasiões em que se apresentam num dia corrente e, se se vencem, essas vitórias são mais importantes – por serem muitas – do que se se tivesse vencido uma tentação mais grave. Além disso, ainda que “os lobos e os ursos sejam mais perigosos do que as moscas”, no entanto “não nos causam tantos aborrecimentos, nem provam tanto a nossa paciência”. É fácil – ensina o Santo – “não cometer um homicídio; mas é difícil repelir os pequenos ímpetos de cólera”, que se apresentam com bastante facilidade. “É fácil não furtar os bens do próximo, mas é difícil não os desejar. É fácil não levantar falsos testemunhos em juízo; mas é difícil não mentir numa conversa; é fácil não embriagar‑se, mas é difícil ser sóbrio”16.

As pequenas vitórias diárias fortalecem a vida interior e despertam a alma para as coisas divinas. São ocasiões que se apresentam com muita freqüência: trata‑se de viver a pontualidade à hora de levantar‑se ou de começar o trabalho; de deixar de lado essa revista insubstancial que pode semear confusão na alma ou, pelo menos, supõe uma perda de tempo e, sempre, uma boa ocasião de vencermos a curiosidade; trata‑se de fazer um pequeno sacrifício à hora das refeições; de dominar a língua num encontro de amigos ou numa reunião social… Estamos convencidos de que “tantas vitórias quantas obtivermos sobre esses pequenos inimigos serão outras tantas pedras preciosas que se acrescentarão à coroa que Deus nos prepara no seu Reino”17.

Se nos acostumarmos a fazer um ato de amor em cada tentação, em tudo aquilo que em nós ou nos outros pode ser origem de uma ofensa a Deus, ficaremos cheios de paz, e o que podia ter sido motivo de derrota é convertido por nós em vitória. Além deste imenso bem para a alma, diz o mesmo Santo que “quando o demônio vê que as suas tentações nos levam a esse amor divino, cessa de tentar‑nos”18.

Se formos fiéis nas pequenas coisas, permaneceremos cingidos, vigilantes, à espera do Senhor que está para chegar. A nossa vida terá consistido numa alegre espera, enquanto realizamos cheios de esperança a tarefa que o nosso Pai‑Deus nos confiou no mundo. Então compreenderemos com profundidade as palavras de Jesus: Bem‑aventurado aquele servo a quem o senhor achar procedendo assim quando vier. Digo‑vos na verdade que o constituirá administrador de tudo o que possui. E Ele está para vir; não deixemos de vigiar.

(1) Hebr 11, 1; (2) cfr. São Tomás, Suma Teológica, II‑II, q. 17, a. 5 e 7; (3) João Paulo II, Alocução, 20‑IX‑1978; (4) G. Redondo, Razón de la esperanza, EUNSA, Pamplona, 1977, pág. 79; (5) cfr. J. Pieper, Sobre la esperanza, 3ª ed., Rialp, Madrid, 1961, pág. 48; (6) 1 Pe 5, 8; (7) cfr. Cant 5, 2; (8) Lc 12, 32‑48; (9) cfr. Jer 1, 17; Ef 6, 14; 1 Pe 1, 13; (10) Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos, notas a Lc 12, 33‑39 e 35; (11) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 48; (12) 1 Tess 6, 2; (13) São João Crisóstomo, em Catena Aurea, vol. III, pág. 204; (14) São Tomás, op. cit., II‑II, q. 54, a. 3; (15) Josemaría Escrivá, Forja, n. 481; (16) cfr. São Francisco de Sales, Introdução à vida devota, IV, 8; (17) ib.; (18) ib., IV, 9.

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